Sexta-feira, 16 de Março de 2012

Uma história verdadeira

Estavamos no ano de 1961 e eu acabara de ser colocado no comando de uma Secção Rural da Guarda Nacional Republicana aqui no Norte, tinha eu vinte e cinco anos, quando, cansado de uma longa jornada de ronda aos postos feita num “Land Rover” que desfazia os tímpanos a qualquer um, seriam umas oito e meia, nove horas da noite cheguei à sede da Secção onde me esperava a primeira surpresa das muitas que, desde já, me proponho vir aqui contar e que, nalguns casos, poderão até fazer sorrir quem tiver a amabilidade e a paciência de me aturar.

Com efeito, esperava-me um jóvem casal que se recusara a ser atendido pelo sargento comandante do posto-sede pois, como alegara ao plantão de serviço, só comigo pretendia falar. A rapariga era um mar de lágrimas e o rapaz um mar de sangue que lhe escorria da cabeça e manchava completamente roupas que tinha vestidas e rasgadas. Sumariamente informado de que fora um cunhado que o agredira à navalhada por uma qualquer futilidade que já não recordo mas que, por vezes, têm o condão de incendiar os ânimos fazendo que que a fúria do momento, sobrepondo-se à razão, seja a causa de verdadeiras tragédias, depois de ter providenciado o envio do ferido ao Hospital para receber tratamento e informado sobre o local onde poderia encontrar o tal cunhado, voltei a entrar no “Land Rover”, acompanhado por uma patrulha – dois elementos da guarda, para quem o desconheça – desloquei-me ao lugar indicado que ficava longe, no meio da serra e em local que só a cavalo podia atingir-se.

Era um pequeno lugar isolado e, dado o adiantado da noite, cerrada e sem lua – seriam talvez umas dez e meia pelo que só o ladrar dos cães denunciava a existência de qualquer vida ali -  e à porta da taberna, acabada de fechar já que o proprietário deveria ter pensado que a Guarda viera para o fiscalizar, um reduzido número de retardatários conversavam em voz baixa com as pontas dos cigarros que fumavam rebrilhando de vez em quando.

Nada, ninguém vira o “cunhado” agressor e em sua casa, que me indicaram, uma velhota, que apareceu à janela, disse-me não ter voltado ainda nem saber do seu paradeiro e que, se fosse esse o meu desejo, me franquearia a entrada para poder revistar a casa. Recusada a oferta, fizemos outra tentativa junto de outro pequeno grupo que, entretanto, aparecera a indagar do sucedido pois a Guarda, àquela hora e em tão elevado número, eu e os dois elementos da patrulha já que o condutor ficara junto da viatura, deveria ser coisa rara ali.

Regressado à Secção, gorada que fora a expedita diligência que intentara, lá me esperava o jóvem casal com o rapaz já coberto de ligaduras, rosto incluido.

Uma coisa, porém, chamou a minha atenção: - a rapariga, essa, não era a mesma!

Claro que não. Não era nem poderia ser pois o casal que eu julgara ser o que já tinha visto, esse ainda não regressara do Hospital, e o que estava ali, na minha frente, era precisamente o formado pela irmã e pelo tal “cunhado agressor" que eu em vão procurara…

É que o primeiro preferira vir directamente à Guarda para apresentar a sua queixa, mesmo antes de ter ido receber tratamento, pretendendo, assim, fazer-nos crer que a razão estava do seu lado…  O outro fora primeiro ao Hospital…

Tinham-se agredido mutuamente usando canivetes cujas lâminas estavam entaladas entre os dedos dos punhos cerrados e com os quais se socaram!... Se não estou em erro tinham cerca de trinta e tal golpes cada um…

publicado por Júlio Moreno às 18:53
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