Não tenho, nunca tive e disso tenho imensa pena, qualquer jeito para a música!
Minha adorada mãe compensava o que de mau tinha em termos musicais, sobretudo quando esboçava cantar (o que generosa e conscientemente evitava!) com uma capacidade rara de conversar e de se interessar por todos os assuntos do momento, que discutia com brilho e competência , enquanto que meu pai, para além de médico distinto e disputado em pareceres técnicos para os quais era frequentemente solicitado por colegas (nessa altura não existiam os poderosos meios auxiliares de diagnóstico dos nossos dias e estes eram feitos com a ponta dos dedos, a auscultação, a observação cuidadosa dos pacientes e, num caso ou noutro, com as radioscopias e os raios X, - daí as conferências médicas), cantava maravilhosamente e, segundo consta, quando estudante de medicina no Porto, não seria raro vê-lo, a ele e a mais três colegas, alancando com um piano pesadíssimo no qual meu pai, de ouvido, e para animar as festas que então realizavam, tocava as modinhas mais em voga e que tivessem o mérito de juntar a raparigas mais voluntariosas e… - atenta a moralidade da época! – mais destemidas.
Em Carvalhelhos, onde no verão era médico, pois era Director-Clínico da Estância, era ouvi-lo - depois da luz se ter apagado - o que sempre acontecia quando o senhor Serafim desligava o motor quinze minutos depois do convencional aviso de tres breves interrupções e quebras de voltagem – rodeado por um grupo de raparigas novas, em noites de lua cheia, ao luar, lindíssimo naquele ambiente serrano, sem poluição e a setecentos metros de altitude, a ensair e a cantar com elas as modinhas polpulares locais como aquela que dizia: -“eu tenho quatro namoros, ó digo dai, digo dai, dai, dai… com todos me rio e brinco… “, “ o meu amor diz que vinha, diz que vinha mas não veu…” (me não recordo já do resto) ou outras mais conhecidas como a “saia da Carolina tinha um lagarto pintado…
Pois bem, quis Deus que, em termos musicais, eu herdasse um pouco de ambos: - de minha mãe a mais completa incapacidade para cantar e reproduzir o que no meu íntimo ouço, sobretudo quando em Coimbra onde algumas vezes acompanhei, a fazer número, o Luis Goes nas belíssimas serenatas que fazia e o que muito me tem desgostado ao longo da vida – e de meu pai um certo ouvido que me faz perceber com bastante nitidez o que é afinado daquilo que o não é…
Mas vem este arrasoado a propósito da justíssima “queixa” que acabo de receber de uma particular amiga minha de Lisboa que me diz ser impossível o descanso com o festival “Rock in Rio” cuja barulheira ensurdecedora tem o condão de incomodar enormemente quem tem a pouca sorte de residir nas imediações do local onde ele se realiza ou onde chega o "tsunami" sonoro que este provoca (o “heavy metal” que nada tem hoje a ver com a sua origem).
Na verdade – e creio que os mais velhos, como eu e não só, concordarão comigo – a música actual resume-se a uma série de ruídosos instrumentos, cujo som, que não melodia, sendo avolumadíssimo por obtusas aparelhagens electrónicas, perturba inclusivé as próprias estruturas dos prédios que pelas suas ondas sonoras são atingidos! E isto, este inferno por que certas zonas de Lisboa estão neste momento as passar, é completado popr uma multidão ululante de jóvens cada vez mais surdos e que, colectivamente drogados por uma vida sem futuro, julgam ver naqueles tristíssimos espectáculos a miríade da sua felicidade terrena.
Paralelamente, à edilidade Lisboeta, alheia ao real bem-estar dos seus munícipes, o infausto acontecimento vem rendendo alguns milhares de euros.
Esforço-me por acompanhar a actualidade, até porque, sendo avô, sinto nisso alguma responsabilidade, mas recuso-me a pactuar com as autênticas imbecilidades que tais espectáculos hoje, hoje tido como expoentes máximos do salutar divertimento colectivo, sobejamente patenteiam.
. Mais uma vez mão amiga me...
. Um tristíssimo exemplo de...
. A greve como arma polític...
. A crise, o Congresso do P...
. O jornalismo e a notícia ...
. Passos Coelho: A mentira ...
. Oásis
. Memórias