Nunca me passou pela cabeça que algum dia poderia escrever uma carta aberta a alguém mas, como a vida nos é pródiga em surpresas, eis-me hoje aqui a escrevê-la e logo ao Primeiro-Ministro do meu País o que, longe de me parecer uma honra e dadas as actuais circunstâncias, antes me parece uma temeridade.
Escrevo-lhe, senhor Primeiro-Ministro, para lhe dizer que estive atento à sua entrevista concedida à RTP e que, para além de ter ficado completamente esclarecido quanto às razões que determinaram as suas decisões, estou de acordo consigo e com as conclusões a que chegou só lamentando que, neste momento e mais uma vez, seja aqui plenamente aplicável o velho e sábio aforismo popular que considera a tomada de certas atitudes como sendo o mesmo que “dar pérolas a porcos”.
Sou português, de 76 anos de idade, de cultura mediana mas que acredita ter evoluído ao longo da vida e, passe a imodéstia, não ser completamente destituido daquilo que vulgarmente se denomina por “massa cinzenta”. Lamento, no entanto, que o povo a que pertenço, quando “amontoado” como o vimos ontem, o seja ou, se o não é, que deixe ser essa a imagem que transparece das atitudes que toma.
Os portugueses, audaciosos e valentes como a nossa História no-lo demonstra, são, ao mesmo tempo, calaceiros e amantes da boa vida. A este propósito dizia-me há anos na Suécia um amigo que não se admirava de que trabalhassemos pouco pois a natureza tudo nos oferecia enquanto que a eles, por lá, até para não morrerem de frio os obrigava a trabalhar…
Os portugueses gostam do Benfica, do Porto e do Sporting e acaloradamente discutem as táticas e as arbitragens do jogos que vêm pela TV, ouvem pela rádio ou assistem “in loco” – para pagar as exorbitâncias que custam os bilhetes e vão alimentar os milionários salários de quem pontapeia uma bola já não há crise nem fome! – e depois quase sempre temperam os seus julgamentos por um clubismo exacerbado e muitas vezes violento! Adoram discutir tudo e sobre tudo opinam sendo fanáticos apoiantes do seu clube que, depois, facilmente confundem com os partidos pelos quais votaram e que tempos houve julgaram como sendo o “melhor do mundo”!
Do mesmo modo julgam-se em quase tudo competentes defendendo ruidosa e alvoroçadamente quanto meia dúzia de “iluminados” - esquecidos dos consecutivos e humilhantes resultados que nas urnas, na hora da verdade, sempre obtiveram ou, quem sabe?,talvez por causa disso mesmo, teimosa e insidiosamente lhes impingem - e por causa dos quais são capazes de cometer as mais incríveis e impensáveis atitudes que não primam pelo civismo nem pela correcção.
Apaixonados, deixam-se convencer facilmente por quem lhes saiba falar ao coração sendo capazes de ser, ao mesmo tempo, generosos e egoístas. Ao 25 de Abril imediatamente o consideraram como uma romaria – completando a atitude patética da maior parte dos militares que o fizeram ao verem-se a braços com um país que passavam a ter nas mãos e para liderar o qual tiveram de apressadamente procurar um “chefe”! – isto até que alguém os convenceu de que chegara a democracia e, com ela, a liberdade só lhes tendo ocultado que a liberdade se poderia facilmente vir a converter em ditadura bastando, para isso, que a cultivassem em excesso e levianamente fora de contexto transformando-a em libertinagem.
Cantava-se a Grândola vila morena e, num ambiente de enorme regosijo para alguns, delapidava-se o Ulltramar pelo qual milhares de portugueses haviam já dado a vida. O “povo unido jamais será vencido” era a cantilena que mais se ouvia nas ruas naquele tormentoso ano de 1975 em que muitos eram ameaçados de ir para o Campo Pequeno e outros, como aconteceu comigo, foram obsequiados com alguns meses – só oito!... - de férias pagas em Caxias e no EPL onde não havia “livro de reclamações”.
Começara então a desenhar-se o país da Alice das maravilhas, que chegou a ter um “rei” e tudo e passou pela deserção de um primeiro-ministro, atraído pelas luzes de Bruxelas, e culminou com outro, este felizmente “ex”, a filosofar por Paris creio bem que à nossa custa!
Entretanto um forte tremor financeiro, com epicentro longe da Europa mas cujas réplicas foram sentidas em Bruxelas, abriu os olhos aos nossos “amigos” agiotas que, “distraidamente”, nos vinham financiando mas que subitamente se deram conta de que já há alguns anos que vinhamos vivendo muito acima das nossas possibilidades, de que já não tinhamos dinheiro e de que a bancarrota, até aí relegada para segundo ou terceiro plano, poderia tornar-se realidade de um dia para o outro.
Foi assim que, em estado de urgente necessidade, tivemos de recorrer à sempre odiosa ajuda externa que nos impôs então, como condição prévia e humilhante, a celebração de um acordo leonino que estipulava as condições que seríamos forçados a cumprir para obter o almejado e necessário auxílio.
Soubemos então – e como de costume – ser sábios e submissos. Aceitámos e assinámos o acordo tendo, deste modo, obtido o auxílio de que urgentemente necessitavamos. No entanto, aos olhos dos nossos credores e por sua imperial e indiscutível vontade, continuava a ser necessário que cumprissemos certos desígnios e obtivessemos certos resultados os quais se encarregavam de fiscalizar regularmente.
Nascia assim aquele “monstro” a que se convencionava apelidar de “troyka”.
Infelizmente, como para curar uma gangrena é muitas vezes necessário amputar uma perna, também para obter determinados efeitos sociais e económicos é muitas vezes necessário amputar certos direitos, só que isto têm de ser feito sem anestesia que esta não foi ainda descoberta nem pelos políticos nem pelos sociólogos!
E é precisamente aqui, senhor Primeiro-Ministro, que os mesmos de sempre – que, pretendendo permanecer ocultos, tal como o gato com o rabo de fora, foram descobertos pelo estafado “slogan” do “Povo unido” - voltam à carga e, com a desvergonha que deveriam sentir mas nunca sentem de sem nunca terem sido escolhidos e, como tal, autorizados, voltam a acicatar as gentes sabendo bem como tirar partido do seu proverbial empolamento em causas colectivas e da sua habitual falta de discernimento na revolta quando lhe mostram o que poderia ter e já não tem sem nunca cuidar de lhe dizer que o que reclama não é mais seu não porque lho tivesse sido tirado mas sim porque o perdeu e que a culpa de o não ter é sua e só sua.
A manifestação de ontem não representou mais do que o povo portugues tal como ele é e sabendo aproveitar um lindo dia de sol a propiciar o belo passeio “que lhe sugeriam fosse dado, um pouco por todo o País”. Se tivesse chovido, aposto que muito mais de metade teria optado por ficar em casa assim como agora e pelo que observo na TV tudo já terá sido esquecido por quantos se “manifestam” na festa-romaria da Nossa Senhora da Boa Viagem, na Moita.
Senhor Primeiro-Ministro, se não tiver mais ninguém, o que não creio, pode contar comigo. Seremos dois e a união das mentes esclarecidas faz a força da razão.
a) Júlio A.V.Moreno
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