Encantado e usando de todas as oportunidades para utilizar os novos “clubs” de golfe que meu pai aos sete anos me oferecera – Parshot, uma famosa marca inglesa, da marca dos seus mas para o meu tamanho – nessa manhã resolvi ensaiar umas pancadas no passeio térreo da Avenida, em frente à minha casa o que fiz utilizando para o efeito umas bolas já mais velhas, mas jogáveis ainda e que o meu pai me dera também.
Assim, colocada a bola no chão e com o ferro nº 7 (normalmente utilizado para bater as bolas na areia dos “bunkers”) resolvi batê-la, não com muita força, na direcção da vedação de rede e arbustos altos que separavam a Avenida da estação dos caminhos de ferro de Vidago.
Batida a bola – bem demais e com excessiva força pois não estava ainda muito habituado aos ferros – eis que a vejo elevar-se nos ares e, depois de transpor a vedação e um vagão que ali estava estacionado para carregar ou descarregar as grades das águas de Vidago, bater uma e duas vezes, com o som característico e que eu bem conhecia de uma bola de golf batendo em pedra ou no cimento e logo de seguida o estilhaçar de uns vidros que me garantia, sem a menor sombra de dúvida, que a bola atravessara ambos os cais de embarque a atingira uma das portas envidraçadas da gare, já na Restação própriamente dita.
Corri de imediato a arrumar bolas e ferros dentro de casa após o que passei, cheio de medo, a aguardar os acontecimentos que, bem por certo, se iriam suceder e que não me seriam nada favoráveis, disso tinha eu a certeza.
A hora do almoço chegara e foi com o maior esforço que mal comi, sentado à mesa com os meus pais mas sempre com o pressentimento de que não tardaria em baterem à porta para me acusarem dos estragos feitos. Porém, o almoço decorreu calmamente e nada nem ninguém apareceu a reclamar os prejuízos...
Porém, seriam umas três ou quatro horas da tarde, estaríamos em plena Primavera pois o fim do dia ainda tardava e o sol ainda se não escondera por detrás do monte, quando surgiu um funcionário da estação, com o seu fato de macaco azul acinzentado e o seu boné amolgado com uma cinta encarnada, que de imediato reconheci e que me vinha chamar a mando do Sr. Oliveira, o Chefe da Estação que, como era normal na altura, nela residia ocupando o primeiro andar da parte central do extenso edifício.
Calado e tremendo como varas verdes mas disposto a tudo fazer, a tudo confessar para que o desastre não chegasse aos ouvidos do meu pai ou da minha mãe, acompanhei o funcionário até ao cais principal – havia dois e não havia perigo pois só havia dois comboios por dia, um cerca das onze horas Chaves-Régua e outro por volta das quatro e meia cinco horas, Régua-Chaves – onde o chefe Oliveira, como seu boné branco e casaco escuro, me esperava com ar sorridente o que suavisou um pouco a minha apreensão.
Pondo-me afavelmente a mão no ombro, o senhor Oliveira disse-me então que fosse com ele até sua casa pois sua mulher, a D. Leonilde, tinha uma supresa para me dar. Devo confessar que imediatamente pensei que seria a bola de golfe que havia precisamente partido o grande vidro da porta que dava acesso às escadas para a sua habitação, e que quando entrara reparei estar partido faltando-lhe um pedaço, pelo que o meu apertado coração e a minha atrofiada consciência de imediato iniciaram a mais plausível busca de explicações para um pedido de desculpa que pudesse suavisar a situação.
Porém, surpresa das surpresas, aberta a porta principal da casa foi a própria D.Leonilde que me recebeu, convidando-me gentilmente a entrar e a sentar-me numa pequena salinha que se seguia à porta enquanto ia dentro buscar a prenda com que queria obsequiar-me. Entretanto o chefe Oliveira, que entrara e se sentara também, sorria-me sem dizer palavra. Foram, séculos que os breves minutos que se sucederam representaram para mim até que D. Leonilde regressou trazendo nos braços uma bola branca de algodão em rama donde despontava o negro de um pequeno focinho encimado por uns olhitos muito brilhantes e negros também. Era o Max – nome com que posteriormente o baptizei – a surpresa que tinha para dar-me.
O Max era um cãozinho pequeno e, como todos os cães pequenos, cheio de complexos caninos, teimoso, pouco obediente e necessitando a toda a hora de afirmar a sua vontade através de um ladrar furioso que variava de tom conforme os desejos ou as razões que o motivavam. Em pequenino e até porque eu nunca o largava, rapidamente se habituou a mim e a respeitar-me como seu dono.
Digo isto porque a minha experiência com cães das mais variadas raças e origens me tem demonstrado que são eles quem escolhe o seu dono e não o contrário como tão erradamente se tem entendido. A seu tempo vos darei as razões em que se baseia esta minha convicção não obstante
reconheça que o contacto permanente com uma determinada pessoa faça com que o cão fique propenso a aceitá-la como o “seu amo e senhor”.
Recordo o Max, completamente branco e muito felpudo e que, quando pequenino, sobretudo na Avenida, que tinha um pendor de certo modo acentuado, quando chamado por mim, corria tão desalmadamente que invariávelmente trocava as patas e me chegava não andando mas sim rebolando como se de uma bola de pelo se tratasse.
Teimoso, como era, ia correr e ladrar sempre que podia ou me apanhava desatento às rodas da frente dos automóveis (poucos) que passavam. De uma vez apanhou uma pancada pelo que ficou a coxear de uma das patas traseiras. Passado algum tempo e depois de já recuperado, como não perdera a mania, morreu mesmo atropelado sem culpa alguma para o condutor mas com enorme tristeza e dor para mim e para todos nós que lhe fizemos um funeral numa cova aberta a preceito num dos cantos mais recônditos do nosso grande quintal.
Ao Max como ao Tatu, que já aqui recordei e me deu a conhecer o que era um cão, a minha saudade e o meu agradecimento pelos alegres e felizes momentos que me fizeram passar.
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