Depois do atropelamento e morte do Tatu II, quando já casado e pai de uma filha, - os rapazes vieram depois - resolvi dar de presente à minha então mulher – hoje estamos divorciados – um cartucho que lhe disse conter uma fruta que sabia ser do seu apreço.
Chegado a casa por volta da hora do almoço, foi com ar desprendido que pousei o cartucho em cima de uma cadeira da cozinha dizendo-lhe que se tratava de fruta de que ela gostava. Agradecendo a atenção foi só quando o cartucho deu mostras de se mover um pouco que ela, curiosa, lhe pegou e abrindo-o, descobriu no seu interior um pequeno “fox-terrier” de pelo curto que, por sabe-la muito apegada a animais domésticos - particularmente gatos, de que eu não gostava muito – decidi oferecer-lhe ainda que fosse um cão e não um gato.
Baptizado com o nome de “Polo”, o cachorrinho que ela não largava em lado algum foi crescendo e, ao crescer, foi fazendo as asneiras normais de um cão bebé - roía tudo o que pudesse - mas que por ela eram totalmente desculpadas pois afeiçoara-se realmente ao cão e, pelo que me era dado observar, o cão a ela.
Relativamente ao Polo, recordo que num dos habituais passeios dominicais, levando ela o cão ao colo, não reparou que ele ia “anormalmente” socegado e foi só quando parámos e ela saíu do carro que pode verificar a que ficara a dever-se tanto socego! O Polo havia-lhe ”comido” parte de um bom casaco comprido, preto e bastante caro, e que ela tinha estriado nesse mesmo dia.
Entre o zangada e intrigada, recordo-me que o que mais a preocupava era o facto de o cão poder ficar doente pois não encontrava o tecido que equivaleria, no mínimo, a um pedaço equivalemte a um quadrado de vinte centímetros de lado pois tratava-se de um bolso. De tudo só uma conclusão poderíamos tirar: - o cão havia mesmo “comido” a fazenda. Fiapo a fiapo, pedacinho a pedacinho, devia ter-lhe sabido imensamente bem e não mostrava indisposição alguma com a sua ingestão! Incrível mas verdadeiro!...
Como quase todos os cães daquela raça – normalmente cães de circo e imensamente espertos - aprendem com facilidade tudo o que se lhes ensina. Apenas a visão de um gato o punha completamente fora de si e nessas alturas não obedecia fosse ao que fosse como adiante irei referir num passo de certo modo complicado da sua longa vida.
Havia-o ensinado a permanecer sentado e quieto no lugar onde o tivesse mandado ficar e a não sair de lá sem autorização o que ele cumpria exemplarmente e tão exemplarmente que se passou o que narrarei a seguir:
- Um dia, durante o almoço – convém dizer que nessa altura ainda vivíamos em casa dos meus pais, na Foz do Douro, – o Polo andava em redor de todos nós pedindo o que tão bem lhe cheirava e incomodando toda a gente pelo que eu, levantando-me, o levei para um canto da sala e lhe dei ordem para não sair dali no que prontamente fui obedecido. Acabado o almoço saí, e, como normalmente, e dirigi-me para o Porto, para o quartel – Metralhadoras nº3, mesmo ao ladp do Palácio de Cristal - onde já me esperava um telefonema de casa, de minha mãe, (ainda não havia telemóveis!) para lá voltar porque o assunto era urgente.
Pedindo licença ao comandante – felizmente não estava de serviço – este não só me autorizou como me disse mesmo para, se não tivesse nada de especial a fazer naquela tarde, regressar só no dia seguinte.
Regressado, pois, a casa, minha mãe e minha mulher contaram-me o que se passava: – o Polo permanecia sentado na sala de jantar e no lugar onde eu o mandara ficar e, mesmo quando nele pegavam e o levavam para outro sítio, logo ele corria a ocupar o seu “posto de serviço” pois ficara fielmente a aguardar que eu lhe desse ordem para sair dali do que me havia completamente esquecido...
Anos mais tarde e já ao serviço da Guarda Republicana, em Guimarães, para onde fora requisitado ao Exército e na casa que aí alugara, o Polo dispunha de um terraço amplo onde costumava brincar com as crianças que, entretanto, haviam nascido e iam crescendo. Nas trazeiras dessa nossa casa havia todo um vasto espaço de uma garagem de camionagem cujo telhado, como era normal nas grandes superfícies, como fábricas, por exemplo, por necessidades de ventilação e de iluminação, era formado por vários corpos elevados, todos iguais, paralelos e que se sucediam uns aos outros, todos terminando num cume em forma de bico. Desse modo qualquer animal que por ali corresse seria visto quando atingisse o ponto mais elevado para logo desaparecer quando descesse para o próximo e assim sucessivamente.
Assim e não obstante o muro fosse de certo modo elevado, pelo que os gatos das redondesas por ele se pavoneavam como que caçoando do cão que para eles ladrava e pulava sem os conseguir atingir. Porém o certo é que, um belo dia, o Polo teve artes de atingir o alto do muro e, em seguida, perante o olhar atónito de todos nós que assistimos à cena, que teve o seu lado cómico não fora o desfecho final quase trágico para o pobre cachorro, lançou-se na perseguição de um gato mais ousado e que ele pretendia apanhar.
Assim, o que víamos do terraço onde nos encontravamos e ao longo de uns bons 50 a 100 metros que tanto teria em extensão o telhado da garagem, era o espectáculo grotescamente animado de um gato e um cão que apareciam e desapareciam da nossa vista à medida em que se iam afastando de nós ao longo do telhado até que deixámos de ver tanto o gato como o cão ficando então a aguardar que o Polo regressasse a casa, gorada que fora a sua caçada. Porém não tendo isso acontecido e tendo em consideração que o telhado terminava abruptamente e a consideravel altura quando o edifício encontrava um pequeno curso de água como era vulgar nos campos que então rodeavam a zona, ficámos, obviamente preocupados.
Em vão nos fartámos de o chamar sem resposta alguma pelo que logo supondo que algo de anormal lhe pudesse ter acontecido de imediato iniciámos as buscas, sem sucesso, para o encontrar.
Porém, acontecia que nessa noite tanto eu como a minha mulher tínhamos um compromisso social a que não poderíamos faltar tendo eu tido o cuidado de relatar o acontecido ao empregado da garagem, que conhecia bem o nosso cão e nos prometeu que, se o visse, imediatamente tomaria conta dele.
Já perto da meia noite, quando regressámos a casa, ainda não havia notícias do Polo pelo que eu, no interior, então deserto da garagem, o que produzia um certo eco, recomendei uma vez mais ao empregado que ficava lá de noite para que, se acaso o visse me chamasse em casa – na porta ao lado – pois ele dava pelo nome de “Polo”.
Nesse preciso momento ouvimos um breve e fraco latido que provinha das traseiras do edifício pelo que, alertado pelo que ouvira, chamei de novo e desta vez um pouco mais alto: - Polo! – tendo então podido ouvir distintamente o mesmo latido do nosso cão que pedia ajuda.
Custou-nos a encontrá-lo pois não havia luz e ele encontrava-se precisamente numa pequena e pedregosa ilhota do ribeiro que corria paralelo à parede do edifício, molhado, cheio de frio e ferido.
Transportado para casa, minha ex-mulher, que tinha e tem uma natural capacidade de lidar e tratar os animais, apercebendo-se de que ele devia ter uma das patas dianteiras fracturada, imediatamente lhe improvisou umas talas e lhe fez a imobilização do membro que, engenhosamente e para que ele o não viesse a utilizar nas suas deslocações, conseguiu que ficasse dependurado ao seu pescoço, tal como vemos nos humanos e lhe valeu rasgados elogios do médico veterinário quando, no dia seguinte, o levámos ao seu consultório para ser tratado.
Assim e de pata dianteira ao peito andou o Polo durante cerca de 3 ou 4 meses até à consolidação da sua fractura após o que lhe foram retiradas as ligaduras e as talas que lhe imobilizavam a pata. Entretanto ele havia adquirido o hábito de caminhar apenas em três patas pelo que, já sem talas e com a pata já livre continuou a andar com a pata dianteira no ar como se continuasse ferida. Mas... meus amigos, isto era só até ver um gato pois, quando isso acontecia era com as quatro patas que corria atrás dele, e isto porque não tinha cinco para fazê-lo.
Com grande pena nossa, o Polo acabou por morrer, ainda em Guimarães e já muito velho, cerca de uns quinze anos depois, todo amarelo e com uma icterícia fulminante. Refilão e atrevido, embora obediente como poucos, foi com grande pesar que o vimos partir seguindo, assim, a inexorável lei da vida!
Substutuiram-no a Diana, cuja história já aqui referi e um novo perdigueiro a que chamei novamente Tatu, o terceiro, e cuja história contarei a seguir já que teve pormenores que merecerão ser contados neste pequeno album de recordações que me propuz fazer.
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