Como não poderia deixar de ser, o Tatu III, contemporâneo da Diana em Guimarães e que eu, infelizmente e por não poder trazê-lo comigo para Lisboa, fui obrigado a oferecer a um velho caçador da vila das Taipas que, tendo já doze cães, se abalançou a ter mais aquele pois, que se lhe afigurava vir a ser um bom cão de caça e que, no dizer dos próprios filhos, já homens, tratava os seus cães melhor do que a eles mesmos pois cada cão tinha o seu próprio apartamento, criteriosamente adaptado às suas características particulares e que diàriamente era devidamente limpo por um cuidador especialmente contratado para o efeito.
Não foi, portanto, preocupado com a sorte que iria ter o Tatu III que dele me despedi mas sim porque via desaparecer mais um amigo dedicado e que algumas provas já me tinha dado disso mesmo para além da que diariamente me dava quando me via chegar a casa e me recebia com as fortes e afectivas chicotadas da sua cauda que, não obstante baterem a a maior parte das vezes nas botas altas do meu uniforme, nem por isso deixavam de ser duplamente sentidas: - primeiro pela força com que eram desferidas e segundo pela alegria que exuberantemente demonstravam ao rever-me no nosso dia a dia mais parecendo que mil anos nos separavam desde o nosso último encontro.
Era o Tatu III um bonito perdigueiro português, de raça pura, malhado com algumas manchas castanhas que se destacavam na brancura do restante pelo, e que, recebido ainda bebé em minha casa, por oferta de um grande amigo meu, juntamente com uma sua irmã toda negra – o que eu nunca vira am cães perdigueiros - e que tive o prazer de oferecer a meu pai, na altura a viver na Foz do Douro e que a recebeu com manifesta alegria pois adorava animais, sobretudo cães de caça que lhe fariam recordar os velhos tempos de Vidago e das caçadas que aí fazia.
Cresceu, pois, o Tatu, tal como a Diana de que já aqui falei, em minha casa, em Guimarães, naquele mesmo terraço já aqui referido quando contei a história do Polo que, entretanto, morrera, e por conseguinte ele, como cão de caça que era, não teve oportunidade de “fazer as patas”, como se costuma dizer, pois no enorme terraço onde se encontrava não teve oportunidade de pisar o duro terreno do mato, onde só muito raramente o levava, circunstância que, um belo dia, deu lugar a uma cena caricata e de que não mais me esqueci.
Convidado por um amigo meu, infelizmente já falecido, que tinha bons cães e era um belíssimo caçador, decidi-me a levar comigo o Tatu para o iniciar nas lides que, afinal, seriam as da sua própria índole e vocação.
Assim, mal saímos dos carros e os cães foram soltos, logo estes iniciaram a sua busca da caça, de coelhos e perdizes, o que estará certamente na sua própria génese pois ninguém os ensina a tal.
Internando-nos na zona escolhida para a caça nesse dia, zona onde abundava o mato rasteiro e, muito naturalmente, entre este o tojo, planta espinhosa a traicoeira, o meu amigo seguiu por um dos lados e eu pelo outro do pequeno vale que tinhamos pela frente imediatamente os cães iniciando as suas actividades de busca e detecção da caça.
Tinha o meu amigo já tido a oportunidade de abater um ou dois coelhos e uma ou duas perdizes sem que eu tivesse disparado um só tiro pois a caça não aparecia do meu lado e é actividade a que sou, como aliás já antes disse aqui, um pouco avesso, quando comecei a ouvir latidos do meu próprio cão tendo ent~<ao repartado que este vinha atrás de mim e não à frente como se lhe imporia para poder farejar e detectar a caça. Reparando um pouco melhor, vi que o Tatu latia ao sentir as picadelas do tojo e do mato nas patas, a que não estava habituado, pois até aí só andara em cimento liso e não as tinha calejadasróprias para andar no mato. Resolvi então esperar um pouco por ele e, libertando-o de tão pesado sacrifício, peguei-lhe ao colo tendo terminado a caçada sem caça alguma e com a arma, uma FN de 5 tiros, a tiracolo num dos ombros e o cão no outro o que provocou o riso sadio do meu amigo e companheiro assim como a benevolência da sua amiga compreensão para o incidente que, segundo ele, era o primeiro a que assistia.
Relativamente ao Tatu direi ainda que, tendo o novo dono vindo buscá-lo a minha casa numa carrinha especialmente preparada para o transporte de cães, lá o levou para o seu novo lar, na vila das Taipas, a cerca de sete quilómetros de Guimarães.
Porém e para espanto de todos nós, dias depois, ouvindo um ruido esquisito e insistente na porta da rua, a nossa empregada doméstica foi ver do que se tratava tendo-se deparado com o Tatu que fugira ao novo dono e por artes que só os cães têm, tinha encontrado o caminho de volta a casa onde, passando por ela como uma flecha, foi refugiar-se na casota, bem lá no fundo e de onde nem para comer queria sair.
Imagine-se a tristeza que voltei a sentir quando o vi partir de novo com o dono a quem de imediato telefonei dizendo-lhe o que se passara pelo que este, tendo-o vindo buscar de novo certamente terá tomado medidas especiais e destinadas a impedir uma sua nova fuga.
Claro que fui mantendo contacto com a pessoa a quem oferecera o cão e, pouco a pouco, as notícias que dele fui recebendo foram sendo mais animadoras e minimizadoras da saudade, quase remorço, que sentia pois ele contava-me que já o acostumara a pisar o mato e que, pouco a pouco, já aclimatado à sua nova morada e aos seus companheiros de “profissão” se estava revelando um excelente cão de caça.
Feliz e infeliz com o que ouvia foram estes os antagónicos sentimentos que durante muito tempo me acompanharam quando re recordava deste amigo de que, em tão estranhas circunstâncias e sem que essa fosse a minha verdadeira vontade, me vi forçado a afastar-me.
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