Domingo, 22 de Março de 2009

Isabel era o seu nome

- Mas, senhor guarda, que mal faz o meu carro aqui estacionado só por uns minutinhos? Foi só enquanto eu...

- Mas a senhora não vê que é proibido estacionar no passeio e, ainda por cima, interrompendo o acesso a uma garagem? – retorquiu pacientemente o polícia enquanto, no seu livrinho de apontamentos, acabava de tomar nota da matrícula do pequeno carro que estacionava, meio em cima do passeio, e bem na frente do túnel de acesso às garagens do prédio de apartamentos.

- Talvez... o senhor tem razão... mas como só me demorei pouco tempo, cinco minutos... - argumentou ainda a rapariga, que, na realidade, demorara mais de meia hora, esperançada de que tudo se pudesse resolver sem a multa, que ela sabia ser pesada e que tanto lhe iria custar a pagar.

- Não vale a pena insistir... – respondeu o já pouco receptivo polícia - houve uma queixa para a esquadra... E já agora faça o favor de me mostrar os seus documentos e os do veículo...

- Oh!... senhor guarda!... Não seja tão mau!... - continuava a rapariga quase choramingando enquanto, nervosamente, mexia e remexia no interior de uma bolsa, mais parecendo estar a fazer um batido de frutas do que a procurar o que quer que fosse, mas de onde acabou, finalmente, por retirar uma pequena carteira que fez menção de lhe entregar.

- Só os documentos, minha senhora... Por favor, dê-me só os seus documentos. A carta de condução, o bilhete de identidade, o título de propriedade, o livrete e o seguro...

- Está tudo aí ... - insistiu a rapariga, continuando, de braço estendido, a oferecer a carteira de bom "calf" ao polícia que, relutantemente, acabou por lhe pegar e abrir.

Estava, efectivamente, tudo ali, logo na primeira bolsa... E ao lado, num pequeno “passe partout” de fotografias de carteira, a sua foto, de corpo inteiro e toda nua. Tirada de um ângulo um pouco superior, a foto mostrava-a indolente e deitada sobre o lado esquerdo do corpo, com o dorso e os seios firmes soerguidos, apoiando o queixo numa das mãos cujo braço, flectido pelo cotovelo, se firmava numa toalha branca, aberta sobre a relva verde, ao lado de um empedrado que parecia indiciar o rebordo de uma piscina.

Fora tirada há dias quando o Luis lhe pedira para o ajudar a finalizar um trabalho publicitário que tinha de apresentar numa reunião da empresa onde compareceriam também os clientes e que ela, rápida e eficiente a trabalhar numa folha de cálculo e num processador de texto, acedera ao seu pedido passando e imprimindo toda a memória descritiva e as bases de cálculo, ajudando-o a preparar todo o projecto que iria apresentar na manhã seguinte.

Tinham trabalhado bem e bastante naquela tarde e, no momento em que a fotografia fora tirada, espreguiçava-se ela, lânguidamente, ao sol, depois do mergulho que se seguira a uma demorada e exaustiva sessão de amor.

Era sempre assim. A despeito da vontade de qualquer dos dois e das combinações e acordos que tivessem estabelecido, acabavam sempre na cama não obstante a sua repetida vontade, por várias vezes afirmada e a si própria reiteradamente prometida, de não mais se submeter aos seus desejos sem que algum compromisso sério envolvesse o relacionamento de ambos que ela considerava ainda verde de tão pouco maduro que estaria.
.
Entretanto, em volta do carro e do polícia juntara-se, como é habitual, uma boa meia dúzia de mirones, ansiosos por dar a sua opinião, caso a ocasião se proporcionasse, procurando não perder pitada do que ia acontecendo e debruçando-se uns sobre os outros no intuito de verem e melhor ouvirem o que realmente se passava.

E foi assim que alguns puderam ver a fotografia dela antes ainda de o guarda ter tido tempo de fechar a carteira e de a devolver à sua dona que permanecia suplicante ao volante do carro.

Fosse como fosse e não obstante toda a documentação estivesse em ordem, no agente, o efeito da fotografia tinha sido mágico. Com efeito, este, que pouco se demorara em ver os documentos, nem sequer a conferir a matrícula, apressara-se a devolver a carteira com os documentos à rapariga só que agora com um imperceptível e malicioso sorriso na face antes dura e pouco permeável a quaisquer sentimentos de perdão ou piedade. Ela, por seu turno, talvez súbitamente se dando conta do que ele poderia ter visto, com um leve tremor de mãos e intensamente ruborizada recebeu-a de volta e voltou a guardá-la no poço sem fundo que seria a sua bolsa.

Entretanto, haviam começado os murmúrios e risinhos entre os mirones, uns, os mais afortunados e que tinham visto a fotografia, outros, os menos felizes, que dela só puderam ouvir os comentários, mas todos ou quase todos unânimemente comentando:

- É boa, a gaja, é...! Que bom pedaço!... Eh! pá! Isto paga todas as multas... A tipa é fina!... Por esta é que eu não esperava, estamos sempre a aprender...

- Faça o favor de retirar o carro... - disse o guarda, ao mesmo tempo que se afastava um pouco e, com um largo gesto do braço, dirigido aos contumazes curiosos da via pública, comandava:

- Vamos a circular e a não interromper o trânsito aqui no passeio, meus senhores. Vamos embora... Vá, vá... A circular, a circular...

Isabel, que, sentada ao volante, já pusera o carro a trabalhar, preparava-se para arrancar quando o polícia, baixando-se, junto ao vidro, lhe disse em voz baixa e obviamente se referindo à fotografia que vira:

- Cuidado, menina, cuidado... Olhe que há por aí muita malandragem... Se precisar de alguma coisa...

E nessa noite como nas que, por largos dias, semanas talvez, se lhe seguiram, Isabel teve a fortuna de ter a sua casa e as suas imediações patrulhadas pelo polícia que a interpelara, umas vezes fardado outras á paisana mas sempre discretamente atento a quanto se passasse à sua volta.

E não me digam que a sorte é igual para todos pois está bom de ver que só alguns dela poderão beneficiar!...
publicado por Júlio Moreno às 12:42
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