Sábado, 30 de Dezembro de 2006
Não há dúvida de que 2006 termina brilhantemente e com um brilho que ofusca mesmo os mais esplendorosos festivais em que o mundo tem sido tão pródigo ultimamente.
Refiro-me, como digo em título, à morte dos pescadores de Caxinas (Vila do Conde), que foram morrer à Nazaré, a 20 metros da praia, e ao assassinato, que ficará impune, (fui, sou e serei sempre contra a pena de morte) de mais um designado ditador, este apunhalado pelas costas por um amigo, com quem teria tido (como acontece nos meios mafiosos) negócios altamente lucrativos nos mundos do petróleo e do armamento; ex-amigo esse que, idiotamente que se passeia pelo Mundo dizendo asneiras, dichotes de mau gosto e sobretudo, porque sendo num processo contestado e fraudulento, só possível num meio onde a par da política reine igualmente a corrupção e o mais hediondo jogo de interesses pessoais colocado à frente dos destinos de um país de e que se julga a si mesmo, até pelo ar ridiculamente enfatuado com que o vemos caminhar, como sendo o mais poderoso do mundo e que, em abono da verdade, o resto do mundo teme e a ele se curva reverente e cobarde.
Mas em Portugal, país essencialmente marítimo, cheio de tradições e de heróis do mar, como canta Camões e o refere o próprio Hino Nacional, com uma fronteira marítima tão vasta quanto a terrestre, com um mar que todos sabem traiçoeiro como sempre o foi e com governantes ineptos, incapazes e que demonstram o mais profundo desprezo pela vida dos que bravamente nele labutam para, a troco de nada, lhes encherem as mesas onde, a pretexto disto e daquilo, tão frequentemente se banqueteiam com cocktails de camarão, lagosta suada, cherne grelhado
e outras delícias obtidas à custa da coragem dos que nele vão morrendo!
O helicóptero que deveria tê-los salvo estava, em estado de prontidão operacional, calmamente pousado no Montijo - basta ver um mapa para se ver que é mesmo ali ao lado! - e, a despeito de todos os procedimentos terem sido os adequados, como afirmam os altos responsáveis faz-me lembrar o safari do Kénia, que esse nem ao local chegou! - chegou ao local do naufrágio 3 horas depois do alarme ter sido dado, e a um barco que, a 20 metros da praia, em zona onde habitualmente se banham os veraneantes, agonizava, voltado sobre um dos bordos e dentro dele sete homens lutavam pela vida. A um, ao mais resistente, ao mais forte mas também ao mais traumatizado e inconsolável hoje, só três horas depois o helicóptero conseguiu salvar; aos restantes, valentes como ele, mas que o mar conseguiu vencer, mais não restou do que a morte hoje tão frequente neste país de cobardes democratase de sujos e oportunistas tecnocratas que vão prometendo ao povo ignorante e crédulo, a quem chuparam já quase o próprio tutano, aquilo que não querem, não podem ou não sabem dar.
No Inverno no mar, no Verão nas matas, o povo continua a sofrer na pele a criminosa ignorância dos prosadores políticos que nos governam e que, em chegada a altura da prestação de contas que ou me engano muito ou já esteve mais longe fugirão rapidamente de cena com o rabinho entre as pernas, repetindo até que a voz lhes doa: - eu não fui, eu não fui!...
Esquecem-se estes senhores de que foi um 25 de Abril que os conduziu aos cargos que hoje ocupam, mas esquecem igualmente que há mais dias no calendário e qualquer um deles se poderá tornar num novo 25 de Abril mas de características bem diferentes.
No Iraque, um Tribunal Revolucionário e um Governo fantoche, a soldo e mando do idiota que se proclama democrata a que acima já nos referimos, condena à morte um déspota, um ditador, mas nem por isso deixando de ser um ex-Chefe de Estado o qual, por decisão de um igualmente revolucionário tribunal, terá mandado cumprir a sentença que então condenava à morte 148 xiitas revoltosos.
Não haverá aqui uma chocante similitude de processos que, se recordarmos Nuremberga e o seu triste e ignominioso julgamento-farsa, e o passado do actual Presidente dos Estados Unidos, enquanto Governador de Estado, que nunca comutou uma só sentença de morte e bestialmente recusou todos os pedidos de clemência que sucessivamente lhe foram apresentados, disso se vangloriando até, esse mesmo Presidente que não tem vergonha de ter forjado uma monstruosa mentira para lançar uma guerra injusta, ilegal e sobretudo imoral e que, a cada dia que passa mais triste , perigosa, fratricida e de má memória se tornará ainda para um mundo inteiro onde lançou o caos, esse mesmo dito Presidente que se furtou a defender o seu próprio país na guerra que este travava e para onde foram, e morreram, tantos compatriotas seus a guerra do Vietname limitando a sua corajosa acção bélica ao calmo e prasenteiro patrulhamento aéreo das costas do seu país e mais ultimamente demonstrando a sua determinação, coragem e dotes de comando nas operações de socorro que pronta e imediatamente prestou às vítimas de New Orleans, onde nem sequer teve a coragem de ter ido!
Mas é a esta gente que devemos obediência, aos que se recusam a aceitar o protocolo de Quioto, e assim vão destruindo o planeta, e rejeitam, por medo, a sua própria submissão ao Tribunal Penal Internacional? É a esta gente que devemos respeito e obediência? Para quando um Tribunal Revolucionário Internacional que os julgue pelos crimes que quotidianamente cometem e dos quais até hoje vão ficando impunes? Para quando um mundo que seja governado por máquinas que não por homens já que estes se recusam a admitir que, qual balões coloridos que se escapam das mãos de uma criança, sobem no espaço e quanto mais alto sobem mais pequenos vão ficando!
Segunda-feira, 4 de Dezembro de 2006
Recordo que em tempos idos e já longínquos, visitando uma fábrica têxtil de uns amigos meus, vi, com certa curiosidade e alguma estupefacção, como era enorme, ruidoso e cheio daquele pozinho fino, que se não via mas que matava e propagava incêndios caso esses eclodissem, um salão de tecelagem. Pese embora o tremendo risco daquela actividade e o facto de não ver o pessoal convenientemente protegido, gostei de ver aquelas centenas de pessoas movimentando os seus teares e circulando entre estes os responsáveis dessas linhas de produção, gritando uns para os outros para se fazerem ouvir tal era o ruído que a maquinaria fazia!
Recordo ainda quão árdua era então a ceifa do trigo nas planuras do Alentejo e a imensidão de gente que sazonalmente tal actividade empenhava! Recordo o varejar das oliveiras, a apanha da batata, o penoso lavrar dos campos, de arado ou charrua, e as sementeiras que pouco depois neles se faziam!
Recordo a vivacidade e a cor das aldeias da minha terra, aqui e ali ensombrada por uma briga de taverna ou um noivo fugitivo a quem o pai da noiva prometia vingança de morte; os rostos de pele tisnada e bem curtida que quase toda a gente tinha fazendo-me, por vezes, sorrir ao antever o enorme contraste que haveria com as partes do corpo que o vestuário encobria! Recordo que as pessoas que se não conheciam, ao se cruzarem pela manhã ou pela primeira vez no dia, se saudavam cortesmente, sem parar e cada qual seguindo o seu caminho!
Recordo o sol dourado e a brisa morna das tardes do entardecer do Verão em que era segura a promessa de um novo dia adequando à época, bem como o frio terrível e cinzento daquelas que prenunciavam a neve no Inverno. Recordo o jogo do pião em que as quecas que nele se davam tinham sentido bem diverso do que hoje têm!
Recordo esses animais quase dóceis, mas de difícil trato, obstinados e teimosos, que eram os burros, hoje em vias de extinção! Recordo que crianças de cinco ou seis anos, munidas de uma vara muito maior do que elas, caminhavam à frente e conduziam sozinhas manadas de bois e vacas que, pachorrenta e obedientemente os seguiam na certeza de uma tarde serena e fértil em comida verde que existia com fartura nos lameiros para onde eram conduzidos!
Recordo também que, meses mais tarde, esse meu amigo que me convidara a visitar a sua fábrica, me renovou o convite com a finalidade de me mostrar algo que me disse ser uma novidade. Fui e pude então ver que recebera novos teares que laboravam mais velozmente do que os anteriores mas que, no mesmo grande salão de tecelagem que antes visitara, trabalhava agora quase um quinto do pessoal inicial. Agora me explicou ele cada homem trabalha com cinco teares
dispensei os excedentários! Daqui a pouco estará pago o investimento e o tecido poderá ser mais barato e melhor
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Nada lhe perguntei, nada lhe disse, nada comentei, acho que até me mostrei contente com tal inovação, Mas logo senti um grande desconforto e uma certa apreensão pelo destino do pessoal que já lá não trabalhava. Vivia-se então em época de pleno emprego muito embora os automóveis em circulação já tivessem tornado mais poluído, quer no ar quer no ruído, o ambiente em que vivíamos
Anos mais tarde, folheando ao acaso uma revista, deparou-se-me a notícia de que no Japão, uma fábrica, não sei já de quê, estaria completamente robotizada e controlada através de computadores apenas por dezanove elementos quando anteriormente empregava três mil e duzentas pessoas, se não erro!...
Hoje em Portugal, e pelo mundo, no ano da graça de 2006, enfrentando uma crise monumental de desemprego e com milhões de bocas famintas, faz-se a apologia das novas tecnologias, distribuem-se computadores, recebe-se o sr. Bill Gates com honras de Chefe de Estado, estimula-se a livre concorrência, num perigosíssimo jogo económico-democrático que ninguém, em consciência, saberá dizer onde nos levará. Incentiva-se à inovação esquecendo-se de que esta só estará, como sempre esteve, ao longo dos séculos, ao alcance dos eleitos: - dos Arquimedes, dos Newtons, dos Pasteurs, dos Von Braun e poucos outros, mas nunca do Zé da esquina, - a esmagadora maioria do povo por quem os políticos são inteiramente responsáveis! - , o qual nunca saberá sequer por onde começar!
A livre concorrência, para poder ser livre, mas segura, teria de ser constantemente controlada e aí se criaria um enorme exército de fiscais já que, à força de querer poupar na uva dentro em pouco a própria água nos seria servida como um Porto da melhor qualidade! A livre concorrência teria de ser precedida de regras elementares de educação e moral, além de técnicas, concorrência que, sendo já do conhecimento dos antigos, os homens de hoje ignoram ou fazem por esquecer, arruinando-se mutuamente nas suas incipientes e talvez lucrativas negociatas. Um exemplo prático. Quando vim para o Norte, concretamente viver para Espinho, onde há um casino que alberga os costumados e ávidos noctívagos, notei que em determinada zona do percurso, numa pequena recta da estrada, havia uma roulotte de cachorros, bifanas, caldo verde e coisas quejandas, adequadas à fome de quem nem janta para satisfazer o vício quer do casino quer das discotecas e que essa roulotte estava sempre cheia de clientela que se amontoava em seu redor. Passados tempos, uma outra, mais distante dela, se lhe juntou e a freguesia, que aumentara, chegava bem para ambas. E depois desta outra, e outra, e outra, e mais outra ainda, tendo chegado ao número de treze quando, por imposição camarária, sanitária ou das simples leis do mercado todas elas desapareceram. Ficou só uma, abandonada, sempre fechada, talvez porque o dono já nem dinheiro tivesse para atirar dali
São estes os dias que vivemos e me amarguram os meus amanheceres. Leio avidamente as notícias nesta maravilha que é a Internet. E que vejo? A guerra do Mr.Bush continua a sua calculada e criminosa progressão. O clima alterou-se por tal forma que o Inverno vem visitar o Verão e vice-versa. Os traficantes saem quase impunemente à rua e as autoridades quase não têm meios para os importunar. Nos centros de decisão colocam-se ou meninos de coro ou abutres esfomeados, grande parte deles completamente ignorantes das matérias que tutelam mas todos vestindo as respectivas camisolas clubistas. Os banquetes sucedem-se, em Lisboa, no Porto ou em Bruxelas. Alguns basbaques deliciam-se com exposições de coisas que têm tanto de abstracto que não se percebe sequer o que são ou representam, e o povo, sereno, entorpecido, como que anestesiado, continua a mitigar a sua dor e desalento com as telenovelas brasileiras que nos são impingidas de manhã à noite pela única via que um Estado verdadeiramente sábio teria ao seu alcance para educar e cultivar o seu povo ignorante e analfabeto que não sabe o português mas que se pretende aprenda o inglês!
Mas como a ordem do dia é inovar. Inovemos pois
Domingo, 3 de Dezembro de 2006
Sempre pensei que este meu blog, se algum mérito revelasse, tivesse, pelo menos, o de não ser demasiado agarrado à quase sempre fácil crítica politizada dos nossos dias, espécie de treinador de bancada como vulgarmente se diz hoje, falando sobre o que verdadeiramente se desconhece.
Estas minhas palavras iniciais poderão levar-vos a pensar que escrevo coisas só para escrever e que disserto sobre tudo e sobre nada só porque sou velho, jarreta, ancilosado e descontente com o mundo. Nada disso, porém, é o que, na realidade, se passa comigo.
Por estranho, ou muito estranho que vos pareça, sou um dos raros mortais que, na minha idade, se pode dar ao luxo de estar apaixonado e de me sentir correspondido. A vida material, se bem que bastante depauperada hoje em relação ao que já foi e ao que o futuro, visto este à luz de velhos tempos, me faria então antever, não me faz mossa de maior porque não sou nem nunca fui exigente em coisas que não fossem simples e apegado a bens materiais os quais, bem pelo contrário, repudio hoje, como repudiei ontem e repudiarei amanhã.
Durante a vida já vivida, é certo que persegui alguns sonhos, coisas que desde criança preencheram o meu imaginário e se algumas delas consegui alcançar outras não, que sempre se me mantiveram longínquas e inatingíveis. Adorei o trabalho que desempenhei na minha vida profissional e a ele devo a sanidade que creio manter nesta minha cabeça pensante já que a vida privada, emocional e emotiva, essa foi um total e completo descalabro, apenas temperado por alguns momentos de suave devaneio em que me deixei levar na corrente dos acontecimentos muito embora sabendo bem os riscos que corria e aonde me levariam tais correntes.
Inesperadamente, porém, um nó que desde há muito se me atara na garganta e que, cada vez que era recordado, mais me feria e revoltava, esse nó desatou-se. Uma voz, que não pude de imediato reconhecer, mas que desde logo me tocou e cativou pela peculiar melodia do seu tom, pela suavidade dos conceitos e pelo cuidadoso critério, de um portugues hesitante, com que os próprios termos utilizados eram escolhidos, me falou de longe, de muito longe, acordando-me do torpor que, confesso, naquele Inverno de 2002 já começava a invadir-me, fazendo-me sentir como que se deslizasse no trenó da vida, inexoravelmente para o fundo, ao longo de uma suave vertente de encosta coberta de neve e mais ou menos limpa de obstáculos.
E essa voz foi para mim, - que ainda conservo bem vivo o velho espírito do soldado dos anos 60, o espírito da ordem, da disciplina e, sobretudo da justiça e da firme equidade que tão bem dintinguem o mandar do comandar, - essa voz foi para mim como que o toque do clarim que então soava na alvorada! E foi assim, com essa alvorada, que um novo dia surgiu, temperado e radioso, e uma chamazinha de esperança se reacendeu neste já gasto e já descrente coração. Comecei nesse dia este novo e desconhecido processo de rejuvenescimento e os dias que até aí me iam, pouco a pouco, retirando quer as forças quer a energia, mudaram e passaram a fazer precisamente o contrário: - a vontade regressou, a esperança ressurgiu, a certeza no amanhã voltou e deste feita mais forte do que nunca.
O ânimo combativo da antítese do yes-man que sempre fui e me caracterizava aos olhos dos verdadeiramente amigos e que me valeu na vida bastante mais vitórias que derrotas - devo confessá-lo, e aqui o digo sem falsa modéstia - regressou em força com essa mesma força que vos tenho tentado transmitir neste meu blog, de que, até então, desconhecia até a própria existência, e que gostaria fosse bem diferente se diferente fosse a sociedade em que vivemos e a verdadeira justiça reinasse nela fazendo de cada homem e de cada mulher, geradores únicos dos homens de amanhã, seres humanos dignos e verdadeiros onde a ostentação, a falsidade, a corrupção e o sujo jogo de interesses de bastidores não lhes moldasse o carácter e não fosse o único farol a iluminar o seu caminho!
Há excepções, claro que há excepções, conheço algumas. São mesmo elas que fazem a regra da podridão moral e intelectual em que o país vai chafurdando e que diariamente nos vão chegando através das mais diversificadas fontes como triste tema de notícia. E é ao lê-las, quando não ao senti-las mesmo na própria pele, que cometo talvez a imprudência e, talvez, a impertinência de escrever o que aqui venho escrevendo.
Bem-haja, pois, aos poucos que aqui me procuram e têm lido com a santa paciência de o fazer!