Terça-feira, 28 de Abril de 2009

O quarto tinha dimensões exíguas…

Forrava-o um conjunto de panos ondulantes, de um vermelho vivo, e de onde, a espaços raros, sobressaía um tecido branco que dir-se-ia ali colocado para símbolo de uma pureza inexistente e ocultação do acto selvático que estava em vias de concretizar-se.

Não sei porque razão lá estava. Só sei que estava ali, de corpo e espírito presentes e sem que nada pudesse fazer que evitasse o que estaria prestes a suceder.

A mulher, muito nova, rapariga ainda, encontrava-se estendida sobre a espécie de cama que o conjunto de tecidos formava, e tinha um corpo lânguido, magro e distendido, dir-se-ia que não rígido mas que eu sentia ser só de aparência pois todos aqueles nervos, músculos e tendões que o formavam estavam tensos e retesados como cordas de um violino.

Ela era jovem e ia morrer. A vida, um tribunal ou qualquer força superior havia-o decidido e eu fora destacado para a assistir e acompanha-la nos últimos momentos sem ordem ou poder para intervir no que quer que fosse.

Mais envergonhado e apiedado do que revoltado, porque era a lei, os nossos olhares pouco se cruzavam mas eu sentia que, por vezes eram os dela, suplicantes e ao mesmo tempo duros e penetrantes, que se cravavam no meu corpo numa súplica muda para que lhe mudasse o destino pois queria viver.

Era neste ambiente e cenário dantesco de terror que, tanto ela como eu, estávamos e nos sentíamos envolvidos, impotentes e inconformados.

Subitamente o silêncio que até aí reinara foi interrompido por uma frase sua. Simples. A mais simples de todas que conseguia articular: - Não quero morrer… tira-me daqui, faz com que eu saia deste martírio sem sentido e sem proveito a que estou submetida,

A voz dela era pausada, próxima e longínqua e soava-me como se falasse de outrem que não dela mesma e naquelas condições. Na fronte formara-se-lhe uma pequeníssima perla de suor que me esforcei por limpar sem articular qualquer palavra que não conseguia.

Media pela primeira vez em a vida em tempo e o tempo, esse, era o que ali representava a vida.

Tentado a trocar a minha própria vida pela dela ela percebeu-o e disse-me que se eu tivesse de morrer também que morreríamos juntos pois lhe seria impossível continuar vivendo com semelhante peso sobre os seu frágeis ombros. E a verdade dessas palavras descobri-as eu nos olhos que fixamente me olhavam enquanto que os meus, fugidios se arredavam dos dela, da penitente de que eu próprio ignorava a falta.

Três vezes me levantei, acordei e, agitado por tudo aquilo que via sem entender, e por outras tantas vezes voltei a adormecer sem que esse sonho me abandonasse e deixasse de perseguir sempre que o sono e o cansaço de mim se apoderavam…

O dia rompeu finalmente e acordei com os pequenos pontos de sol coados pela persiana semi-aberta a darem-me na cara.

Respirei de alívio mas instintivamente olhei em meu redor como para me certificar de que tudo aquilo não passara de um sonho mau e de que, efectivamente, ela não morrera, Ao pé de mim não estava qualquer cadáver!...

Nessa mesma manhã e no computador procurei Freud e o seu livro Significado dos Sonhos na esperança de resolver ali todo o mistério. Nada encontrei, porém, que me elucidasse e servisse para me aquietar o espírito que durante todo o dia permaneceu vergado ao peso de algo que fora superior a mim e que eu não lograra vencer sem que soubesse sequer o quê…

PS. Este sonho foi tido em vésperas de DELARA DERABI ter sido criminosa e inesperadamente enforcada em nome de uma justiça vergonhosa o que só pude pude verificar dois dias... depois! Teria sido um sonho premonitório?
publicado por Júlio Moreno às 02:44
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Segunda-feira, 27 de Abril de 2009

Às vezes penso que sei escrever…

É verdade. Às vezes penso que sei escrever e que isto de alinhar palavras a representar ideias é coisa fácil que não demanda mérito algum ou então bem pouco. Puro engano o meu!

Escrever é, na realidade, muito mais do que isso e muito mais difícil pelo que, revendo o que aqui vou deixando, acabo de ser assaltado pela ideia de ir propor ao “Infarmed” que passe a considerar os meus escritos como substitutos úteis e inócuos para os tantas vezes perigosos psicotrópicos e outras drogas indutoras do sono dos doentes que delas careçam…

Assim, com grande sacrifício para quem me lê – o que desde já reconhecidamente agradeço – aqui vou, para meu gozo e passatempo - escrevinhando algumas coisas: - histórias, críticas e, frequentemente, azedas palavras de revolta que me vão na alma, arrependimentos por tudo o que, devendo-o ter feito, nunca fiz, e reflectindo alguns pensamentos saudosos que ultimamente me têm perturbado e, estranha coisa!, vindo a dar algum sentido à minha vida!

E quando tudo pareceria indicar o contrário, à medida em que esses pensamentos se me vão alongando na distância da memória, mais nítidos se me vão tornando, quase ao ponto de os sentir de novo, como que reconvertidos nas sensações que então me provocaram e com a mesma intensidade com que então as vivi! …

Estranha coisa esta nossa mente! Estranho este extraordinário complexo de neurónios que, se funcionando bem, ou razoavelmente bem, como julgo ser o meu caso, revelam ser uma máquina enorme e poderosa mas que, se, funcionando mal, nos atiram para um canto, apodados de senis, de loucos, de escleróticos e de sei lá mais quê!

Quis Deus que os meus genes fossem perpetuados – pelo menos no que às próximas duas gerações se refere - em três filhos, dois rapazes e uma rapariga, em quem depositei todas as esperanças de continuidade mas que, ou por uma razão ou por outra, nem sempre têm sabido – ou podido – corresponder-lhes, talvez como reflexo crítico, não totalmente isento de verdade, do meu comportamento como pai ausente que, de certo modo, fui - se bem que justificadamente, creio - mas que muito me pesa por senti-lo de certo modo injusto, submetidos que foram a estranhas influências das quais não souberam nunca apartar-se.

Um dia me ocuparei deste assunto que é dos que mais me preocupam mas para o qual, sinto-o bem, não me encontro totalmente preparado ainda.

Mas, regressando a esta espécie de auto-análise crítica de acção e omissão que hoje decidi fazer, sei que se não fui bom pai também não fui aquilo que meus pais gostariam que tivesse sido como filho e para o que tanto e tanto se esforçaram, no almejado futuro que para mim sonharam, nele empenhando tantas vezes os parcos recursos económicos que iam conseguindo tudo isto como que duplamente me culpabilizando num julgamento que só talvez a poeira, assente, dos muitos anos de um porvir longínquo deixará que justiça se faça realmente.

Eu sei-o, eu sinto-o e, com isso, como que, dia a dia, veria mais nitidamente acinzentar-se a minha vida não fora o lenitivo que encontrei em hora em que já nada me seria lícito esperar em tal domínio...

Em compensação, porém e talvez, sei que prossegui uma vida diferente da que esperavam tendo atingido, sem necessitar do grau de doutor em coisíssima nenhuma, uma posição de certo e prestigiante desafogo numa vida quase sempre penosa e não isenta de escolhos mas onde me soube afirmar – passe a imodéstia – com dignidade e a competência com que algumas vezes, e publicamente, me gratificaram e de que, passe a incongruência, tão modestamente me orgulho, devo confessá-lo.

Dediquei a minha vida à causa da segurança pública e depois à da tão incompreendida segurança privada onde, pela boca de outros, que não da minha, cheguei a merecer a qualificação de ser um dos homens que, então, mais “de segurança” sabiam em Portugal.

Disseram-nos personalidades responsáveis que muito me honravam com os frequentes pedidos de opinião que me faziam, sabendo, como o sabiam, de que eu não era, nunca fora nem nunca seria, um “yes man”, característica acomodatícia tão em voga naqueles tempos onde subir na vida sem empurrar para baixo os que nos rodeavam era coisa difícil e requeria isenção, tenacidade e algum mérito.

Por isso e porque me apaixonei verdadeiramente pela profissão que escolhera, que a ela me tenha dedicado muitas vezes à custa do necessário descanso pessoal, muitas vezes não atentando em que não é o que mais trabalha em horas ou esforço físico o que mais mérito terá mas sim aquele que melhores resultados obtém com o seu método e disciplina mental a par de uma crescente curiosidade profissional que nunca se sacie.

Pois bem. Era precisamente aqui que eu queria hoje chegar. Ter podido, ou poder ainda, transmitir aos meus filhos todo o saber acumulado e de experiência feito, que sinto ainda possuir e que, pelo que vejo ao meu redor, tão útil lhes seria, a eles como ao próprio País, hoje repleto de gente incompetente, arrogante e só presumidamente responsável mas que não faz a mais pálida ideia do que está fazendo.

Não pude ou não soube fazê-lo pois essa seria a herança que eu gostaria de lhes deixar um dia parafraseando o grande e sábio provérbio chinês: - não lhe deixando a cana mas tendo-os ensinado a pescar…

Vai longo o texto onde sinto ter divagado um pouco embora esta fosse a mensagem que aqui queria ter deixado dita: - penaliza-me hoje enormemente o não ter sabido ou podido deixar ficar aos meus filhos – se calhar porque deles não fui nem serei credor de confiança – o que a vida me ensinou pois tenho a certeza de que para ambos teria sido benéfico: - para eles pela quase certeza de uma vida não só útil como melhor sob todos os pontos de vista, para mim pela certeza que me confortaria o saber cumprido o dever gerativo que a cada pai se impõe.

A Vossa indulgência e compreensão peço para o desabafo tão íntimo a que Vos submeti. Por isso, muito obrigado.
publicado por Júlio Moreno às 19:17
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Quinta-feira, 23 de Abril de 2009

Uma visão política ou uma utopia?

O que são os Estados Unidos da América, a nação mais poderosa – mesmo em época de crise – hoje existente à face da terra? Não são uma pluralidade de Estados, de “pequenos países”, se considerados à sua escala já que cada um é, de per si, maior do que Portugal e que, no seu conjunto, formam a federação? E de todos, que eu saiba, só o Havay e o Alaska de encontram desgarrados – mas ainda assim relativamente próximos do grande continente.

São 50 esses Estados, além de outras pequenas possessões noutros locais do globo, formando um bloco que, no seu todo é governado por um Presidente e um conjunto de órgãos representativos do estado que formam o Governo Federal com jurisdição soberana sobre todos eles quando em causa estiver o superior interesse da nação no seu conjunto; em resumo, todos os estados governados por uma política federal única e de visão rasgada e uniforme, capaz de congregar o esforço de todos no interesse comum.

E, assim, a América, como vulgarmente se diz, ganhou a supremacia do mundo e se tornou no país que é já há muitos e longos anos, o “el dorado” dos pobres mais ambiciosos e oriundos dos restantes atrasados países do globo muitos dos quais enormes em área e fausto miserável mas microscópicos em pensamento e visão política.

E Portugal? O que é hoje? Nada, absolutamente nada em comparação com o que já foi, com o que teria obrigação de ter sido não fora a miopia política dos senhores da época, sobretudo daqueles que, tendo a faca e o queijo na mão, como sói dizer-se, honrando os mortos que o foram construindo, fizeram a revolução que daqui a dois dias se comemora.

Tivéssemos nós em 25 de Abril um Infante D. Henrique, um Condestável ou um D. João I e tudo teria sido bem diferente do que foi. Tudo. Em lugar deles, porém, só tivemos Condes de Andeiro e companhia limitada (mas não tão limitada quanto isso e como tanto gostaríamos que tivesse sido!).

É que era então bem possível, como desenlace lógico e coerente de uma disputa que se prolongava no tempo e dia após dias mais vidas ia ceifando, uma federação de estados do tipo “estaduniense” com a “sui generis” particularidade de, ao invés de formarmos um território contínuo e imenso, buscarmos a unidade na “pluricontinentalidade”, espalhados que estaríamos pelos quatro cantos do mundo, unidos pela mesma língua, pelos mesmos costumes e ideais, pela mesma vontade e o mesmo espírito intrépido de vencer!

Nos Estados Unidos da América a capital é Washington! Em Portugal, os Estados Unidos de Portugal, a capital essa poderia ser itinerante (até em tal matéria se inovando): - ora em Lisboa, ora em Luanda, em Lourenço Marques, em Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe, em Macau e em Timor como em Ponta Delgada e ou no Funchal em cada local se empunhando a bandeira das quinas e se impondo a soberania unificada em prol de uma comunidade diversificada nos respectivos e ancestrais costumes.

Seria uma nova forma de Estado dotada de uma estrutura repartida o que nos teria forçado a desenvolver (e não a destruir, como veio a acontecer com a União Europeia) os meios de comunicação – a marinha, de que já fomos gloriosos pioneiros, a aviação e todos os demais meios de transporte de ideias e pessoas em ordem a fazer-se da União um bloco sólido e coeso tal como se sonhava aquando de Tordesilhas em que se repartiu o mundo novo e que os sucessivos traidores da pátria foram desmembrando, desbaratando e a teia “desurdindo” depois desta já tão esforçada e gloriosamente feita pelos nossos antanhos!

E que se viu em 25 de Abril? Uma Abrilada mais, uma revolução dita dos cravos que de há muito murcharam por ninguém lhes ter sabido regar os muito débeis caules, isto se é que eles alguma vez existiram e tudo não passou de um embuste dos que, querendo apenas mudar o seu estatuto militar, eventualmente prejudicado pelos oficiais milicianos que os ameaçavam, se viu, de repente e sem contar, a despeito das ideias vanguardistas que, depois, tão alto proclamaram, no final do dia com um país nos braços, qual criança indefesa e a quem ninguém sabia sequer mudar a fralda ou preparar o biberão e para a qual, bem atabalhoadamente e à pressa, tiveram de ir a correr chamar uma ama – o Marechal António de Spínola – para lhe pegar ao colo a e conduzir dos seus vacilantes e bem incertos primeiros passos…

Senhores: - a data que depois de amanhã se comemora não é a de um 25 de Abril feito para devolver a democracia ao Povo. Resultou nisso, sim, mas só por mero acaso já que o que verdadeiramente visavam os gloriosos capitães de Abril, aos quais se vieram depois sorrateiramente juntar aqueles cujo propósito só mais tarde ficou claro – analise-se o 16 de Março que o precedeu e o seu fracasso - era tão somente o afastar o ministro do Exército e, com ele, a concorrência que muito justamente lhes estavam fazendo os oficiais milicianos que no Ultramar davam o seu sangue nas diversas frentes enquanto que os do quadro permanente ficavam, até aí ocupados em passear as fardas de cadete da academia Militar pelo Rossio e depois, as mais das vezes, acomodados nos “staff” dos estados-maiores, planeando a maneira de se safarem dali com o mínimo de beliscaduras possíveis, isto salvo honradíssimas excepções como as do hoje e tão tardiamente feito major-general, o destemido Comandante dos Comandos, Jaime Neves, a tropa que, sob o comando do general Eanes nos livrou de Cunhal e comandita no 25 de Novembro de 1975.

Como aqui já tenho referido, fui um dos privilegiados que tive a honra de trabalhar muito próximo do Marechal Spínola que me concedia o favor de solicitar frequentemente a minha opinião, na qual confiava, e com quem longamente tive oportunidade de abordar estes e outros assuntos de natureza vária.

Posso dizer-vos que lhe conhecia o pensamento, tal como muitos camaradas que com ele colaboraram – os chamados por um certo e invejoso sector militar de “spinolistas” – e um dia, quando em resposta a uma sua pergunta sobre o que pensava eu do Ultramar e da sua possível solução, lhe respondi - Penso, meu General, que a emancipação das colónias será um facto intransponível a bem curto prazo. Porém, assim como, por força da lei, um pai tem de aceitar a maioridade e a independência dos seus filhos aos 21 anos, também a mãe pátria terá um dia de aceitar a independência dos seus filhos ultramarinos, restando-lhe apenas, tal como aos pais sábios e prudentes, o terem cuidado da sua educação concedendo-lhes a formação bastante para que, uma vez livres da tutela, possam singrar por si e pela via da independencia mas sempre no respeito devido aos progenitores e na prévia audição dos seus conselhos e pareceres muito embora sejam livres de os virem, depois, a seguir ou não.

Recordo-me bem do sorriso enigmático do General ao ouvir estas minhas palavras…

E foi isto ou algo parecido o que fizemos, depois daquela situação vivida do Largo do Carmo? Declaradamente e infelizmente: -não!…

A Santa Apolónia, vindos das tocas onde se acoitavam, começaram a chegar os abutres que pouco a pouco se foram empoleirando e enchendo de poder – poder esse consentido por quem tinha obrigação estrita de nunca o ter feito, e que vemos hoje? Um Ultramar vendido e por longos e tenebrosos anos completamente perdido, e nós por cá, transformados num país paupérrimo, sem crédito nem glória, debatendo-se com uma crise ideológica profunda, quase uma crise de identidade – muito maior do que aquela que se vê à superfície, minado nos seus alicerces mais profundos e onde surgiu, como que vindo do “nada”, do mais absoluto “nada”,, uma nova classe de pseudo políticos aos quais, pouco a pouco, mas inexoravelmente, vão caindo as máscaras que bem cedo foram arranjando para melhor poderem enganar este povo generoso e hábil tanto no bem como no mal mas que, virado do avesso, nada nem ninguém saberá travar… pelo que mais uma vez citarei a Caius Julius Caesar que dizia haver lá para os confins da Ibéria um povo que nem se governava nem se deixava governar...

Contar-se-ão por muito escassos o número de homens verdadeiramente íntegros que há hoje neste país e um dos quais será, seguramente, o actual Presidente da República, sob cuja tutela de primeiro-ministro, Portugal já viveu tempos de alguma prosperidade e, sobretudo, de fundamentada esperança…

Hoje? Que vemos nós?

É o embuste e a intriga que vemos, é falsidade e a mentira que reina…

Tivesse eu a idade e a força que tinha quando, no verão quente de 75, “piedosamente”, me recolheram em Caxias por 8 meses (254 dias), e talvez ousasse contribuir um pouco para que tudo pudesse ser um pouco diferente, pelo menos para mim era-o com certeza…

Porém, como já não tenho e os meus 73 anos feitos já mo não consentem, resta-me dizer-vos que quem vier atrás que feche a porta pois a corrente de ar de leste que venho sentindo está a tornar-se verdadeiramente insuportável e tenho sérios receios de me vir a constipar…
publicado por Júlio Moreno às 17:46
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Segunda-feira, 13 de Abril de 2009

Frequentemente me lembro dela com um misto de saudade e de ternura…

Viera com a família de Vila Real que a acolhera ao abrigo do programa da Caritas para as crianças refugiadas da guerra.

Correria, penso, mas não estou bem certo, o ano de 1949 ou de 50, e recordo perfeitamente o seu rosto de criança ainda mas que já mostrava bem os traços de uma linda rapariga e depois da bela mulher em que mais tarde se transformaria certamente. O loiro acinzentado dos seus cabelos curtos e revoltos condiziam plenamente com a cinza dos seus lindos olhos e com a palidez acentuada do seu rosto que, com o restante do seu delgado corpo, completavam a sua frágil e delicada figura. Era o primeiro ser que eu via assim tão diáfano, doce, suave, harmonioso e sereno, quase etéreo e irreal, como me parecia!

Como disse, ela era linda e tudo nela era proporcional e perfeito numa rapariguinha da sua idade, tinha 13 anos mas, como tive a oportunidade de verificar depois, com uma experiência de vida como jamais pensara poder coexistir numa rapariga dessa idade. Fora o que a guerra dela fizera. Ela que tinha visto e sua família ser fuzilada pelas tropas alemãs as quais, numa chuvosa manhã de Inverno, havia visto irromper pela sua pequena propriedade rural adentro e na própria casa e que, na sua frente, violara repetidamente a sua mãe, tia e irmã mais velha depois de fuzilados o pai, os dois irmãos e o tio que, em casa e em tão má hora, se haviam refugiado com a família.

Chamava-se "I" e, tão presentes e gravados na sua memória estavam todos aqueles horrores a que assistira que, sempre que éramos sobrevoados pelo avião da carreira de Londres, que por ali passava duas vezes por dia, ou por qualquer outro, logo corria a meter-se debaixo de uma mesa ou de qualquer outra coisa que por ali perto estivesse e lhe pudesse oferecer o abrigo que o seu condicionado subconsciente ainda reclamava. Era austríaca e viera até às minhas termas serranas com a família que a acolhera tendo sido ela minha primeira experiência como mulher que, bem ao meu invés, que não passava de um imberbe e curioso rapazinho de 14 anos, estudante do liceu e totalmente ignorante dos segredos da vida, designadamente daqueles que eu supunha só poderem ser pertença dos adultos ou dos jovens a partir de certa idade, me mostrou que era. 

Sozinhos, os dois quase da mesma idade, tinhamo-nos acostumado e ir falar para o extremo da esplanada, para uma espécie de miradouro sobre o extenso vale onde, sob um velho sobreiro que ali havia, haviam construído uns toscos bancos de madeira que emolduravam uma pequena mesa de pedra, redonda como a mó de um moinho e assente sobre um grosso e redondo pilar, também ele de pedra e que, com toda a segurança, a sustentava. E era aí que ela satisfazia, no seu ainda incipiente mas esforçado português, toda a minha mórbida curiosidade em perguntas que lhe fazia sobre o que tinham sido os horrores da guerra que presenciara e que vivera, o que, no meu imaginário infantil mas marcadamente masculino envolvia desde logo todo um conjunto de acções bélicas, tanto de heróis como de vilões e em que os homens se digladiavam uns aos outros sem que, ao certo, soubessem por que o faziam.

Durante a guerra, juntamente com meu pai, habituara-me a ouvir a BBC e os relatos "ao vivo" do extraordinário locutor que foi o Fernando Peça... Eram tão vividos, emotivos e dolorosos os relatos que, a meu impiedoso pedido, ela me fazia e que tanto lhe custariam, eu sentia-o, mas que tinha igualmente de deixar ficar a alguém como testemunho de todo aquele seu sofrer, e que eu tanto a incentivava a contar, pelo que, muitas vezes, a mim se encostava, encolhida e tremente, como que procurando no meu corpo um refúgio seguro para as suas próprias recordações tão reais as deveria sentir à medida em que delas se ia recordando. E desses contactos físicos, dessa aproximação de sentimentos e do calor tépido do seu franzino e delicado corpo, terá nascido algo de diferente que, tanto nela como em mim, fez despertar os estranhos sentimentos humanos que em nós residem em silêncio e a que quase ousaria em chamar de amor, mas que, como é normal, e pela parte que a mim se referia, só muito mais tarde se deveriam e poderiam revelar. 

Não obstante isso não negarei aqui que essa aproximação excitava os meus sentidos e que terá sido essa a vez primeira em que senti que era, ou melhor, que viria a ser um homem. E de tal modo chegou mesmo a fazê-lo, tão abertamente e sem rodeios nem temores de qualquer espécie, afirmando-me que o acto de fazer amor era comum acontecer a qualquer momento durante a guerra, em qualquer cave, escombro ou campo aberto, em locais não atingidos ainda pelas granadas ou onde estas tivessem aberto como que convidativos ninhos e desde que se juntassem um homem e uma mulher ou um rapaz e uma rapariga que não era necessário que se conhecessem mas sim que de tal ambos estivessem famintos e talvez para que, no meio de todo aquele inferno, se sentissem ainda vivos. Ela, porém, nunca o fizera, até porque era muito pequenita nessa altura, mas desde sempre que o desejo de o fazer a perseguia pelo que julgava ser agora, que me conhecera e que de mim gostava - como tantas vezes chegou a dizer-mo - e o local lhe parecia propício, que sentia ter chegado o seu momento e pelo qual tanto e tanto esperara.… Confuso e perplexo, não só recusei como, assustado, fui adiando esse dia, que nunca se concretizou, revelando uma imaturidade e pudor tais que, bem ao contrário do que seria de esperar-se, talvez mais a tenham feito exacerbar na sua própria e quase delirante excitação e desejo com o propósito, nunca confessado mas tantas vezes insistido, de ser ela, então, a iniciar-me. Com a estranha e mista sensação constante de desejo e fuga, que de dia e de noite assim me perseguia, o tempo da sua permanência decorreu tão rapidamente que, a despeito das incipientes aproximações já narradas e sempre por mim abortadas no último momento, o que hoje se me afigura só compreensível pela noção que tinha da inviolabilidade e de ser quase intocável a mulher amada, nada aconteceu entre nós a não ser o facto de ter visto, e pela primeira vez na minha vida ao natural, o corpo belo e quase nu de uma rapariga linda, evidenciando-se-me então um supremo esforço de tentação que não logrou vencer-me.…

Hoje, tendo a minha vida sido o que foi, confesso que não sei se para bem se para mal recordo-a muitas vezes!...

Mas o dia da partida chegou. Foi no fim do almoço, recordo-me como se fora hoje, há pouco tempo atrás ainda. As malas já no carro e as costumadas despedidas. Eu, encabulado, confesso-o, andava por ali vendo que ela chorara. Inesperadamente, porém, e sem que nada o fizesse prever ela atirou-se ao meu pescoço e, desfeita em lágrimas, disse, alto e bom som, para que todos bem ouvissem, como ouviram, que me amava e queria que eu fosse com ela ou então ser ela a ficar ali e, ao mesmo tempo que assim falava, deu-me um beijo na boca, longo, amante e dolorido... o primeiro beijo de amor que recebi em toda a minha vida e ao qual não sei - e em consciência não o poderei nunca afirmar, até porque não saberia como fazê-lo, se o correspondi ou não! Recordo-me apenas do tremendo rubor que me terá colorido as faces, que senti que me ardiam como se queimadas por fogo abrasador, e durante todo esse verão - como ao longo desta também já longa vida! - rara foi a noite em que dela me não tivesse lembrado e até hoje a guardo num lugar cativo no meu cantinho de afectos que sei existir no meu coração, hoje pertença de outrem a quem já narrei esta história e que me tem incentivado a procurar saber o que foi feito dela, coisa que nunca fiz mas o que prometi fazer, e farei, se for por ela acompanhado.…

publicado por Júlio Moreno às 19:34
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Domingo, 12 de Abril de 2009

ASAE fecha hipermercados abertos fora de horas

border=0 alt=asae.jpg src="http://mustbe.blogs.sapo.pt/arquivo/asae.jpg" width=319 height=264> 12 grandes superfícies comerciais estavam a funcionar depois das 13h00 Por: /CLC | 10-04-2009 18: 49 A ASAE encerrou esta sexta-feira 12 grandes superfícies comerciais por estarem abertas ao público depois das 13:00, contrariando o disposto na lei para um dia feriado, e aplicou-lhes coimas que podem ir até aos 25 mil euros, informa a Lusa. «Encerrámos hoje 12 grandes superfícies que, por terem mais de dois mil metros quadrados, tinham de encerrar às 13:00», afirmou à agência Lusa fonte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), escusando no entanto a divulgar o nome dos estabelecimentos. Mas a Lusa apurou que a ASAE encerrou dois Intermarché (em Reguengos de Monsaraz e Montemor-o-Novo), quatro Macro (Palmela, Coimbra, Maia e Guia no Algarve) e uma loja da Moviflor em Santarém. Os inspectores da ASAE encontraram ainda a laborar fora do horário legal quatro pontos de venda da cadeia Recheios (Coimbra, Aveiro, Faro e Ferreiras) e um da E.Leclerc na Figueira da Foz, que também foram encerrados. Segundo a lei, os 12 estabelecimentos em causa incorrem em multas entre os 2.400 euros e os 25 mil euros. (foto e texto retirados da IOL).

Mas que País de "ricos" somos nós que, "vesgos", com as leis que tão tristemente vêm sendo feitas (como esta que criou este estranhíssimo tipo de polícia, parecendo grotescas imagens dos "ninjas que entretêm as cranças!), e manda encerrar estabelecimentos comerciais porque funcionam fora de horas - que País somos nós que, ao contrário do que acontece nos verdadeiramente civilizados, que estimulam o comércio 24 horas por dia já que 25 lhes é impossível, enquanto nós, a braços com a maior crise de desemprego e de economia da nossa história contemporânea, nos damos ao "luxo", perfeitamente idiota e cretino, de mandar uma polícia de opereta encerrar estabelecimentos e multá-los porque cometiam o abominável "crime" de estarem a trabalhar...

Deus nos valha e nos proteja dos políticos auto-denominados e tão iluminados que tão generosa e abnegadamente se auto-encarregaram de defender, perdão, de "afundar" a Pátria, e com ela este Povo insano que não consegue enxergar o que se passa à sua frente, permitindo a organização da ASAE e de toda a sua estrutura, que absorve mensalmente milhares para não dizer milhões de euros, - havendo já a GNR e a PSP como legítimas forças policiais - milhões esses que dariam para mitigar a fome a tanta e tanta gente neste país!

Citando Jesus na Cruz já que a altura é propícia por ser de Páscoa: - " perdoai-lhes Senhor que não sabem o que fazem!"

Porém... eu cá por mim não lhes perdoo e exijo o seu julgamento na praça pública do acto eleitoral que se avizinha...
publicado por Júlio Moreno às 17:16
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Sábado, 11 de Abril de 2009

Assaltam-me hoje as recordações daqueles tempos em que fui realmente feliz!...

Era criança e passei a jovem, cheio de ilusões, mas revoltado por uma condição que me obrigava a passar o verão na montanha, longe da praia, do mar – a atracção de toda a minha vida! – dos namoricos citadinos que aconteciam ao longo do ano, desterrado no meio de mato e das pedras que só mais tarde compreendi e comecei a amar, quase sempre sem gente da minha idade para com ela partilhar as aventuras próprias da minha geração – isto desde os onze, doze anos até aos dezoito, data em que, por circunstâncias muito especiais , ingressei na vida militar onde me mantive por longos 15 anos primeiro no Exército e depois na Guarda Nacional Republicana.

Julgava-me, assim, vítima de uma tremenda injustiça, desterrado, isolado do mundo e dos meus anseios mais verdadeiros mas, hoje o reconheço, sendo, afinal, feliz, e feliz de uma felicidade que não mais regressa em toda a vida muito embora aqui e além ela me tivesse acenado e perpassado por mim, fugidia e mas nunca agarrada a tempo de não poder mais fugir.

E quem me dera poder regressar hoje a esses tempos e aproveitar, agora em plenitude, tudo o que então desperdicei Isto porque, na realidade, era feliz e tão feliz que, independentemente do poder regressar nos anos e na idade, coisa que julgo hoje de somenos valia para mim quando creio ter encontrado finalmente algo porque lutar, ter encontrado o verdadeiro farol que sempre procurei para por ele poder rumar a minha vida.

À época desse meu calvário, que ia de Junho a finais de Setembro já que meu pai, como director-clínico das termas, era obrigado, por dever do respectivo cargo. a nelas permanecer durante esse período de quatro longos e intermináveis meses os verdadeiros desterrados éramos nós, minha mãe e eu, que ele, serrano de origem e por temperamento, rejuvenescia sempre que para lá ia a despeito do muito trabalho que tinha com as enormes canseiras de ser simultaneamente temporário médico de aldeia cujas doenças e doente dir-se-ia que por ele esperavam todo o ano para só nessa altura se manifestarem tal era a empatia que desde cedo se gerara entre ele e os “seus doentes”, com o carinhosamente a todos se referia, gente serrana e muito pobre e que vinha dos quatro cantos da região para consultá-lo. talvez conhecedor da fama de bom médico que o acompanhava desde a sua longa permanência na vizinha vila de Vidago onde fora médico municipal por duas décadas e onde sempre vivi até aos meus dez anos de idade.

Minha mãe era citadina e pouco dada a conhecimentos constantemente renovados, como sempre acontece nas termas onde os aquistas se revezam no máximo de vinte em vinte dias; eu, com as ilusões próprias de uma juventude que desabrocha, desejando outros lugares, outros bulícios, outras gentes da minha geração, o que, como disse, nem sempre acontecia já que tempos havia em que era eu sozinho perdido comigo mesmo no meio daquela gente "velha" toda e quando algum rapaz ou rapariga da minha idade aparecia nem sempre o que a princípio parecia ser uma bênção caída dos céus, se transformava na pretendida realidade, antes num fantasmagórico pesadelo, dada a antipatia natural que entre nós surgia, num calvário que, se algo de diferente não viesse entretanto amenizar, mais o aumentava num mínimo de quinze a vinte dias!

Valia-me então a “Rola”, a minha querida égua, que me levava, ora a passo ora voando, por todos aqueles caminhos da serra que ele conhecia e que para mim eram sempre fonte de inspiração e depois mesmo de admiração pela constante renovação que neles via a cada nova passagem que por eles ia fazendo.

Saudades, meu Deus, saudades!... Saudades de tudo o que era verdadeiramente verdadeiro, sadio, poeirento e cru e onde aprendi a olhar um pouco para dentro de mim mesmo o que a pouca gente é dada a felicidade de poder fazer contentando-se com a futilidade do que nnos rodeia, com a lisonja e a mentira interesseira que os envaidece e, pobres infelizes!, tantas vezes nos esquecendo de que só no que é simples e óbvio está o segredo verdadeiro de uma existência plena e que merece ser vivida.

Sem que o soubesse então como sei hoje, e hoje o sinto, eu tive essa felicidade.

Pena foi que ela se não mantivesse pela vida fora e cedo se transformasse no pesadelo que fui arrastando ao longo de uma existência oca e sem sentido, não fossem os filhos que, para meu bem ou meu mal, gerei para este mundo e que, por sua vez já me deram os netos em que, no longínquo amanhã de ontem e que tão célere hoje que se aproxima, farão com que seja, talvez, por alguém e nalgum dia recordado!

O meu destino, porém, esse já está traçado: - alguém muito querido cremará o meu corpo e deitará ao mar metade das cinzas que dele restarem, enterrando a outra metade na raiz do mais bonito castanheiro ou carvalho de um lugar já escolhido pois quereria poder continuar-me no frio sangue de alguns peixes, dos tantos que já vi, e na seiva vivificante que irá subir até à verde folhagem de uma majestosa e secular árvore serrana que, dobrando-se, por vezes, ao forte vento de algumas tempestades, irá aguentar e manter por séculos a vida que, para mim e enquanto homem, Deus terá querido que fosse tão curta!
publicado por Júlio Moreno às 11:09
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Quarta-feira, 8 de Abril de 2009

Lavar com sangue a honra ou ofensas recebidas não é “crime”…

Como aqui tenho narrado, parte da minha mocidade, durante as épocas estivais, passei-a eu em terras transmontanas, mais propriamente em terras barrosãs onde, persistia, e tudo leva a crer que ainda hoje por lá se mantenha, ainda que mais atenuada pela prolífera e contagiante dialéctica a que nos habituámos, alimentada que é pelo quarto e o mais incontestado e omnipresente dos poderes do “reino” (refiro-me ao jornalismo sensacionalista e pouco escrupuloso, para o qual o sigilo previsto na sua deontologia profissional e que parece nem sequer ceder perante a Justiça - que talvez não haja! - constitui uma das mais poderosas armas da actualidade) ainda hoje persiste, dizia eu, uma certa forma de pensar e um arreigado e peculiar sentido de “justiça”, que aqui chamarei de justiça verdadeira, dura, nua e crua e não a justiça palaciana dos nossos dias, com particular destaque para o meio político onde a opacidade e a duvidosa honestidade factual e intelectual de quem pode ou julga que pode é hoje por demais evidente e de todos sobejamente conhecida.

Nessas terras e nesses tempos, pelo menos, não era assim.

Por lá se dizia mesmo que matar não era crime desde que o facto tivesse sido praticado para defesa da honra por outrem conspurcada ou, por qualquer forma, violentada, sendo sua base legítima a defesa contra a soes mentira, a perversidade do acto ou o interesse puramente material que estivesse em causa e se não contivesse dentro dos limites de uma razoável curiosidade ou de uma inconsequente e inofensiva falta à verdade.

Vem isto a propósito de duas pequenas histórias que vos irei narrar, uma ouvida, outra vivida, em que uma vida humana foi o penhor e o preço exigidos para o que antes afirmei.

Esclareço, entretanto, que qualquer pessoa – e vários foram disso exemplo – se poderia esquecer no parque das termas, sobre qualquer banco ou caída no chão, de uma qualquer bolsa ou carteira recheada de notas de banco que, no dia seguinte, indo procurá-la, a iria seguramente encontrar, muitas vezes com evidentes sinais de ter sido remexida – a curiosidade que já mencionei – mas com o conteúdo rigorosamente intacto.

Atraiçoar, falsear, trapacear, roubar sim, tudo isso era pecado, eram crimes. Matar, desde que em certas condições, não.

E foi assim que, certa manhã, pude observar que do consultório de meu pai saía um homem, que reconheci como sendo um dos guardas da noite, e que este vinha com a cabaça ligada e algo vacilante no andar.

Algum tempo depois pude ouvir meu pai, que comentava o caso com um dos sócios da estância termal, dizer que ele tinha uma profunda ferida na cabeça que havia sido suturada com bastantes pontos e que esta lhe haveria sido feita por um cunhado com o qual mantinha certas desavenças de carácter pessoal nas quais se sentia ofendido na sua dignidade razão por que, na noite anterior, ao encontrá-lo e tendo abordado o tema sem terem chegado a acordo, fora depois por este esperado e selvaticamente agredido à traição com uma sacholada na cabeça que o não matara por pura sorte. Daí o tratamento de urgência a que o haviam trazido os que o encontraram prostrado num caminho e a peremptória afirmação que, durante este, reiteradamente fizera a meu pai, que se esforçara sempre por contrariá-lo fazendo-lhe ver os gravíssimos riscos de uma tal atitude, de que nessa noite iria procurar o cunhado e que o mataria.

Pensando havê-lo convencido a desistir de tal vingança, meu pai comentava o caso com quem antes referi, nem um nem outro tendo levado a sério as ameaças proferidas e que ambos atribuiriam à revolta de que, na ocasião, o homem estaria possuído.

Porém, o certo é que, na tarde do dia seguinte, um cabo e duas praças da GNR da vila mais próxima se apresentaram nas termas para o prender, entregando-se ele sem oferecer qualquer resistência, pois, na verdade, nessa noite havia procurado o cunhado e sobre ele havia desfechado vários tiros de pistola, matando-o. Assim lavara a sua honra e dignidade perante a emboscada cobarde de que tinha sido vítima e que, como se provou, nada nem ninguém deste mundo lho teria feito perdoar…

O segundo caso foi-me contado por pessoa digna de todo o crédito e que conhecera ambos os intervenientes.

De regresso a casa, já tarde e pelo monte, certo homem viu uma raposa que, ligeira, se refugiara na sua toca pelo que, não tendo arma de caça, foi a casa de um cunhado pedir-lhe emprestada a caçadeira para com ela abater a raposa cujo esconderijo lhe descreveu de imediato e com todas as minúcias.

Perante a estranha evasiva do cunhado em emprestar-lhe a arma, alegando tê-la já emprestado a outrem cujo nome terá mencionado mas que residia longe do local onde ambos se encontravam e desconfiando de que essa recusa não passava de desculpa para ser ele mesmo a procurar a raposa e a abate-la para si, o nosso homem agradeceu e, dirigindo-se de imediato ao prior da freguesia, que, pelos vistos, era também, caçador, a ele lhe pediu emprestada a arma dizendo-lhe para que o fazia.

Emprestada esta pelo prior, carregou-a com chumbo de zagalote e, em vez de procurar a raposa na sua toca, colocou-se de atalaia numa curva do caminho certo de que seria o próprio cunhado, que lhe negara a arma, quem iria procura-la no local que, cheio de boa fé, lhe revelara.

Dito e feito. Já noite cerrada eis que surge o cunhado de arma em punho a caminho do esconderijo da raposa. Não andou muito o pobre coitado mentiroso pois dois tiros de zagalote vararam-no de lado a lado matando-o de imediato e o nosso assassino, cometido o acto, terá então ido restituir e arma ao pároco apresentando-se de seguida no posto da Guarda onde declarou o que fizera e porque o fizera.

Condenados ambos, como facilmente se depreenderá, cumpriram tranquilamente as respectivas penas sendo certo que o magistrado que os condenou terá certamente considerado como atenuantes os motivos invocados, conhecedor que seria da índole daquele povo serrano e verdadeiro.
publicado por Júlio Moreno às 18:36
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O prometido que não pude cumprir

Tal como creio que já havia dito aqui, venho contar-vos hoje mais um dos episódios da minha mocidade, talvez aquele de que mais me arrependo e que, quando o relembro, como agora, mais toca a minha alma e faz doer o meu coração. Oxalá saiba transmiti-lo com o sentimento simples mas profundo que ele me provoca e que, de tão singelo que é, consiga tocar igualmente os vossos corações como desde sempre vem tocando o meu.

Aconteceu com a Tia Felismina.

Era ela mais uma das lavadeiras da estância termal de que vos tenho falado. Era a mais velha, e que passava o dia debruçada sobre o lavadouro do rio, pequeno ribeiro represado naquele ponto, de águas cristalinas e tão puras que, juntamente com o esforço das lavadeiras, conseguiam por a roupa branca mais branca do que a própria neve.

Figura franzina, já de idade avançada desde o primeiro dia em que a vi – teria eu aí os meus onze ou doze anos – nariz aquilino, tez morena e pele já enrugada, muito faladora, constantemente me repreendia sempre que eu, a montante da represa onde estava o lavadouro e onde o sabão não chegava para incomodar e afugentar os peixes, me aproximava demasiado do rio, aí um tanto fundo, tentando pescar com um anzol feito com um alfinete alguns escalos do rio e, com eles, repovoar uma segunda represa, essa existente mais abaixo, no parque e sob a velha ponte de madeira que levava ao balneário.

Recordo-me de pensar que a Tia Felismina me parecia como um grão-de-bico a que tivessem colocado um lenço tal como o costumavam usar as mulheres da nossa aldeia.

Anos passados, numa bela manhã estival, estava a Tia Felismina já reformada e a viver na sua casa de Vilarinho da Mó, povoação serrana já por mim aqui referida e onde os automóveis continuavam a não poder ir, um grupo relativamente grande de hóspedes do hotel, do qual eu fazia parte, decidiu dar um passeio pela serra indo, por sugestão minha, até àquela pitoresca e tão autêntica aldeia barrosã, hoje em vias de extinção como tempos depois se veio a verificar quando o asfalto por lá apareceu e com ele os tractores, o ruído dos motores e os gases poluentes dos respectivos escapes, um ou outro carro, a electricidade e a própria televisão – era a civilização que chegara e que hoje tanto nos faz pensar, por destruidora e só aparentemente confortável quando abusivamente e excessivamente utilizada!

Como levava a minha máquina fotográfica, fui tirando algumas fotografias pelo caminho ao intrépido grupo que assim se havia proposto a desbravar aquele, para muitos, autêntico deserto barrosão.

Foi, pois, conversando, rindo e tirando fotografias que o caminho até à aldeia, talvez uns seis ou sete quilómetros, foi percorrido e muita gente pode então ver como se vivia no meio da serra em casas feitas de irregulares pedras toscas, formando paredes como que tecidas, de tão harmoniosamente que eram colocadas umas sobre as outras, grossas portas e janelas, quando as havia, de maciço carvalho, todas cobertas de colmo e sem quaisquer resquícios de conforto citadino.

Chegados, logo perguntei pela Tia Felismina que, como figura carismática que era e de quem já havia falado ao grupo ao longo do percurso, logo alguém, se prontificou a ir chamá-la pelo que ela, em sabendo-se procurada, logo se apressou a vir ver quem seria, ali logo me apertando num longo e carinhoso abraço e efusivamente saudando a todos os restantes que certamente lhe recordavam os tempos que passara nas termas onde os via passar a cada passo e com quem chegava mesmo a falar algumas vezes.

Lembrei-me então de lhe pedir para tirarmos todos ali uma fotografia que prometi enviar-lhe logo que revelada. Logo acedeu de bom grado mas com uma condição: - a de que nela figurassem também alguns elementos da sua própria família pelo que se apressou de imediato a despachar emissários em todas as direcções convocando a Maria, a Zefa e a Joaquina, o Tonho, o Manel e o Zeferino e muitos, muitos mais que, no momento, se encontravam nas suas lides campestres dispersos por largas áreas.

E foi assim que tive a oportunidade de verificar, e com espanto devo confessá-lo, de que quase toda a povoação era familiar dela pois tantos eram os que se juntaram e a quem ela chamava pelos respectivos nomes que tive de colocá-los em escada e meia-lua e a uma distância considerável para que a objectiva os pudesse captar a todos. No meio, risonha e irradiando felicidade naqueles olhitos pequeninos e perscrutadores, o rosto que velho e enrugado mas que me era tão caro, com o seu eterno lenço pela cabeça, a tia Felismina!

Porém, desilusão das desilusões, quando me preparava para tirar a primeira foto reparei que o rolo tinha acabado não possuindo eu qualquer outro de reserva. Assim sendo, e sem coragem para comunicar tal facto a quantos ali se aprontavam para o acontecimento, sobretudo por ela, não fui capaz de dizer nada e… apontando a máquina, simulei tirar as fotos que eu sabia nunca existiriam, prometendo depois, quando reveladas, enviar-lhas como presente.

Perante tal impasse, que teria tido a obrigação de ter previsto, tinha já arquitectado para mim mesmo uma desculpa que só mais tarde comunicaria: - as fotos teriam ficado mal, muito mal mesmo, pelo que lá voltaria depois a pretexto de as refazer e assim corrigir os erros cometidos. Ao grupo, porém, e já no regresso, comentei o lamentável sucedido sendo o comentário unânime e reconfortante de isso eram coisas que muitas vezes e sem querer aconteciam…

O final das férias aproximava-se e com ele o términos da época balnear pelo que deixei para o ano seguinte o compromisso que a mim mesmo me impusera: - voltar àquela aldeia e tirar então as fotos que não tirara da primeira vez.

Regressado no ano seguinte com o propósito que acima referi, do qual me não esquecera porque, com estranho presságio, ele me perseguira todo o tempo, preparava-me para regressar a Vilarinho da Mó quando alguém me disse em tom simples de conversa que a tia Felismina falecera nesse Inverno!

Creio que as almas sensíveis que tiverem lido as linhas que aqui escrevo não poderão deixar de sentir o que eu então senti e todo esse sentimento de remorso que me tem acompanhado desde esse momento…
publicado por Júlio Moreno às 12:33
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Terça-feira, 7 de Abril de 2009

O estranho caso do Ninho da Águia

Era uma manhã cheia de sol, de um sol brilhante e sadio de Julho ou Agosto, não me recordo bem, e trotava eu a cavalo, na minha querida “Rola”da qual já tenho aqui falado e saudosamente recordado, pela imensa planície sobranceira à estancia termal onde todos os anos passava os meus verões que bem poderia assemelhar-se às pradarias do “Far West” dos “cowboys” americanos, de solo vermelho, irregularmente pedregoso e poeirento, de mato rasteiro, de urze, carqueja e tojo, a caminho de Vilarinho da Mó , pequena aldeia perdida nos confins do mundo e à qual voltarei daqui a dias para vos narrar um dos mais tristes episódios da minha mocidade e que, além de outras, tinha a inacreditável particularidade de nela ainda viver gente que nunca vira um automóvel mas que conhecia na perfeição os aviões que, por volta do meio-dia e nem sempre muito alto, por ali passavam diariamente a caminho de Londres! – quando, reparando uma vez mais no estranho e longínquo monte de pedra que me ficava à direita, mais semelhante a um vulcão e do qual conhecia uma história, que já ouvira contar a muita gente, e que o dava por ser o “ninho da águia” mas que eu nunca visitara pessoalmente, pelo que me decidi a ir vê-lo mais de perto tal era a curiosidade que nesse momento me assaltou.

Assim, desviando-me do caminho que levava, galopei na sua direcção parecendo-me que a distância que dele me separava em vez de se encurtar a cada passada da “Rola” cada vez mais se alongava, ficando, na realidade, longe o tal “ninho da águia”.

À medida em que me ia aproximando, porém, maior e mais imponente ele aparecia ante os meus olhos, feito que era de enormes penedos de sólido granito, caprichosamente sobrepostos, arredondados pela erosão dos séculos e em boa parte cobertos por aquele musgo acinzentado e seco que tão peculiar é nas rochas da região, sobretudo naquelas altitudes, cerca dos 900 metros.

Chegado ao sopé das grandes massas de granito que o formavam e tentado a escalá-las até ao topo pois, a ser verdade o que diziam, seria aí que se deveria encontrar o famoso e tão falado ninho, pus-me a estudar qual o processo de escalada de que me iria servir, eu que nunca fui alpinista e sempre tive, como tenho, um confessado receio por essas aventuras, mas que, na ocasião, a curiosidade, aliada à natural imprevidência juvenil que me movia, me impediu de pensar nisso sequer.

Encontrado o caminho, reentrância aqui, rebordo acolá, deixando a “Rola” livre, de rédeas soltas no pescoço, como sempre, tasquinhando alguns cardos ou folhas mais tenras e mais apetitosas de carqueja que por ali ia encontrando, lá fui fazendo a escalada que, à medida em que progredia, mais perigosa (e radical, como se diz hoje) me parecia pois cada vez mais pequeno se me ia afigurando tudo o que para trás deixara.

Reconheço-o agora, como quase de imediato o reconheci, ter sido um tanto temerária aquela aventura tanto mais que a um pé ou a uma mão em falso corresponderia necessariamente uma queda que me não deixaria em muito bom estado, tanto mais que ali não havia qualquer espécie de socorro medindo-se por algumas léguas de distância o que mais próximo estaria acaso alguém passasse e me providenciasse esse socorro.

Imprudências de juventude a merecerem severo correctivo mas que, a despeito de todos os conselhos que lhes dermos, toda gente nova teima e teimará sempre em cometer…

Avançando vagarosa e cuidadosamente na subida, ciente de que voltar para trás me seria já difícil, acabei por alcançar o cume onde, para meu grande espanto, vi que se abria um enorme, largo e fundo buraco, naturalmente cavado na rocha, e com o fundo meio oculto pela sombra mas onde pode distinguir o que me pareceu serem gravetos de mato e, no meio destes, uns ovos de um amarelo esbranquiçado.

Pensava ainda se seriam, de facto, os ovos de águia quando um súbito pressentimento, seguido por um nervoso relinchar da “Rola”, me alertaram para algo que de estranho se estaria a passar naquele preciso momento. Assim e deixando de observar os ovos, levantei a cabeça a tempo de ver uma enorme sombra projectar-se sobre a penedia e uma pássaro descomunal, certamente a águia, planando na minha direcção, com as patas e garras bem projectadas para a frente, numa deliberada atitude de ataque ao intruso que ousava assim devassar-lhe o ninho.

Talvez porque o gesto instintivo que tive ao proteger-me, levantando o braço, e o facto de rapidamente me ter agachado o mais possível, fez com que o ataque eminente se gorasse e ela, de uma plumagem negra, diria que um tanto avermelhada, e de uma enorme envergadura de asas – mais de metro e meio, estimei eu! – passou por mim para logo voltear sobre um dos lados e voltar ao ataque, ataque esse que terá repetido por umas três ou quatro vezes mas que, quis a providência divina, nunca teve o êxito que a sua autora pretendia, após o que se afastou, pairando mais alto e em círculos, talvez delineando outra estratégia ou apenas observando quais as minhas reais intenções.

Devo confessar que naquele momento, em que os espíritos costumam ser mais lúcidos e mais ágeis na resposta às adversas circunstâncias, eu, pelo contrário, me encontrava totalmente tolhido pelo medo, medo esse devido a duas ordens de razões: - primeiro, porque temia um novo e bem sucedido ataque da águia que teimava em sobrevoar o local e, segundo, porque o caminho que escalara me parecia agora inacessível na descida de tão perigoso que era, de facto.

Porém, nesse momento, algo dentro de mim me disse que, contornando o enorme buraco e do outro lado das rochas, o que dali não via, iria encontrar um meio fácil de descida, uma espécie de escadas toscamente talhadas na rocha e que, por elas, poderia facilmente e em relativa segurança atingir o almejado chão.

Foi o que fiz sem hesitar e, para meu enorme espanto – de hoje, que no momento nem em tal devo ter pensado – as tais escadas lá estavam e por elas desci a salvo e lestamente logo montando a “Rola” que, entretanto se aproximara, e dali me afastei a galope e o mais rapidamente possível ao mesmo tempo que, voltando de vez em quando a cabeça, podia ver que a águia continuava sobrevoando o seu ninho, agora provavelmente mais tranquila e segura de que ninguém lho iria profanar.

Já longe do local e de regresso ao hotel para o almoço, não me cansava de pensar nos riscos que correra pelo que só muito mais tarde me atrevi a referir o episódio a minha mãe, já que com a cumplicidade sigilosa da minha “Rola” com essa poderia sempre contar.

Todavia o que hoje me preocupa e mais perturba sempre que recordo o que se passou é o facto, aparentemente simples e sem o menor significado, de eu ter tido a percepção, para não dizer que a certeza, de que do lado oposto àquele onde me encontrava, e que eu não poderia nunca ver dali, eu iria encontrar as escadas de pedra que me proporcionaram a possibilidade de me salvar daquele apuro quando o certo é que nunca ninguém tal mo tinha referido e era aquela a primeira vez que eu tinha visitado esse local.

Como saber, pois, da existência de tais escadas?

Este o mistério que persistirá para quem, ao contrário de mim, não acreditar que são várias as vezes que Deus nos fará voltar a esta terra – como reza a crença indú - talvez com o intuito de que nos aperfeiçoemos cada vez mais a ponto de com Ele nos podermos vir a considerar como realmente feitos à Sua imagem e semelhança…
publicado por Júlio Moreno às 14:41
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Segunda-feira, 6 de Abril de 2009

Os eufemismos -e não só- da vida moderna

Curioso como sou e já sem nada, ou muito pouco, para fazer, dada a idade que já vou ostentando, tenho ocupado parte do meu tempo a assistir a alguns programas directamente transmitidos do Parlamento, nomeadamente daqueles em que intervém o nosso primeiro – verdadeiro artista em falar muito e dizer muito pouco e em fazer com que o tempo se esgote sem responder às perguntas que os parlamentares lhe fazem directamente, e igualmente das “Comissões de Inquérito”, recentemente constituídas, e onde os senhores Deputados – ou depoentes, consoante os casos - discursam, discorrem, falam e comentam sobre os mais variados assuntos, nos quais seria, à partida, lícito supor-se que fossem verdadeiros especialistas ou peritos mas que, paradoxalmente, acabamos por verificar, e muito mais vezes do que seria de esperar, que o não são ou que, sendo-o, não sabem ou não querem exprimir-se correctamente na língua pátria preferindo a utilização de termos que, podendo parecer-lhes de muito bom tom e de alta erudição utilizar, mas que, para infelicidade sua, pura e simplesmente, não existem.


Na verdade, “alavancar” , “alencar” ou “elencar”, “agilizar” e outros, como tantas vezes venho ouvindo, tudo termos interessantes, que compreensivelmente procurarão transmitir uma ideia que claramente se percebe, mas que, mau grado nosso, ou melhor, mau grado deles, pura e simplesmente não existem e, que eu saiba, não farão – ainda - parte do léxico português ignorando eu se o farão dos vocabulários brasileiro ou dos PALOPs – para usar, também eu, uma sigla tão ao gosto da actual cultura nacional.


Como meu saudoso Avô, o Prof. Augusto Moreno, também eu gosto de ouvir a eloquente e sã sonoridade da língua portuguesa sem necessidade de nos socorrermos de neologismos pouco consensuais ainda e que, pela frequência com que vêm sendo utilizados, ainda nos levarão a considerar correcto (e não erro de palmatória) que um qualquer estudante venha a escrever um dia numa prova de exame que fulano ou beltrano foi “pego” em lugar de preso - como se ouve quase diariamente nas telenovelas brasileiras – quando, na verdade, pego é termo português mas de significado completamente diferente do que acima referimos pois, - se derivado do latim “pelagu” ou do grego “ pélagos” - , significará o ponto mais fundo de um rio, lago, etc., onde não se tem pé, um abismo, uma voragem, um pélago, um sorvedouro, ou ainda o macho da pega, uma pequena refeição dada aos trabalhadores entre o almoço e o jantar, uma petisqueira, ou em sentido popular o namorado ou ainda a flor do cardo que se agarra ao fato.


Por outro lado é curioso notar a preocupação com que os economistas (sobretudo estes) se socorrem de expressões britânicas para se referirem a operações bancárias ou a situações de mera actividade contabilística, (certamente aquelas que vêm nos manuais por onde estudaram mas que eu me recuso a admitir não existam em português para exprimir situações semelhantes e de igual valor.


Porém, não é só aqui que eu noto os referidos “eufemismos” que eu próprio utilizarei ao referir-me a ética – ou a princípios éticos, isto para evitar a expressão de moral muito duvidosa, - de quem nomeia para o seu próprio gabinete, ao que julgo saber, um dos seus próprios familiares directos quando, no que me toca – e como já tantas vezes aqui o tenho referido – na minha família sempre se usou uma isenção e separação de tal modo rígida e pragmática quanto e estes assuntos que, tendo meu avô materno, médico e ofcial da Marinha de Guerra, carro do Estado, nunca deixou que nele entrassem nem as sua mulher nem qualquer das filhas o que levaou a primeira tantas vezes me dissesse nem saber sequer de que cor eram os estofos desse mesmo carro!


Que diferença, senhores, que diferença!...


É claro que tudo isto se passava há setenta e tal anos e daí para cá muito se alterou na moral e sobretudo na vergonha dos portugueses!


Consultando no dicionário a palavra "vergonha":  - (Lat. * verecumia < verecundia), s. f. - perturbação moral produzida pelo receio do ridículo, da desonra, etc.; pudor; pejo; rubor de pejo; timidez; acanhamento; acto indecoroso; desonra, opróbrio; • s. f. pl. - as partes pudendas.

publicado por Júlio Moreno às 19:38
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