Via-se que ela vinha a fugir de qualquer coisa e que apenas iria ali para buscar descanso e refúgio, talvez bebendo um café.
O seu ar distante, ausente mesmo, fazia com que os seus olhos divagassem pelo recinto como que procurando alguém que não estivesse lá. Dir-se-ia que procurava a própria ausência.
Uma mesa vaga orientou os seus passos e, acercando-se, lentamente ocupou uma das tres cadeiras que, vazias, a circundavam. Sobre aquela que estava à sua direita colocou a bolsa que trouxera a tiracolo e, com um ligeiro assentimento de cabeça, cedeu a outra aos ocupantes da mesa vizinha que, educadamente, lha solicitaram. Da bolsa havia retirado o telemóvel que, displicentemente, colocou à sua frente depois de ter afastado um pouco um dispensador de guardanapos ostentando publicidade. Olhando o pequeno aparelho parecia aguardar que ele tocasse ou então o momento para tomar a decisão de fazer com ele uma chamada...
Da minha mesa, longe da entrada, pude ver perfeitamente o homem que assomara à porta pouco depois e cujo olhar aquilino percorrera lentamente todas as mesas ocupadas até se deter naquela que ela ocupava e onde acabara de sentar-se não haviam decorrido ainda cinco minutos e para a qual rapidamente se dirigiu.
Porém, no momento em que dela se acercava chegava também, solícito, o empregado que, de bandeja na mão, dirigia à mulher a habitual pergunta afim de satisfazer o seu pedido. Todavia tal pergunta não chegou sequer a ser completamente formulada porque o recém-chegado, denotando uma total ausência de civismo, de educação ou de respeito não só para com ele como também para quantos acabaram por presenciar aquele triste cena, transpirando ódio, o interrompeu e afastou brutalmente, fazendo com que a bandeja e as chávenas vazias que esta continha caíssem ruidosamente ao chão e que ele mesmo, desiquilibrando-se, quase derrubasse uma das mesas mais próximas juntamente com os respectivos ocupantes.
A mulher, essa, não se mexera do seu lugar e permanecia aparentemente serena e como se tudo quanto à sua volta se desenrolava naquele momento não tivesse nada a ver consigo. Apenas pareceu surpreender-se quando o homem lhe agarrou violentamente um braço e a quis obrigar a levantar-se, certamente para que o acompanhasse.
Foi nessa altura que ela, como que tendo tomado súbita consciencia do que se passava se esforçou por libertar-se e, com a mão que tinha livre, lhe deu uma bofetada que soou bem alto no ambiente estranhamente silencioso que, entretanto, se formara.
Pálido, com os dedos dela bem marcados na face atingida, foi a vez dele a esbofetear com violência, o que repetiu por várias vezes e com redobrada violência ao ponto de fazer com que na comissura dos seus finos lábios sem baton tivesse surgido um pequeno fio de sangue.
Certamente dotado daquela força sobrenatural que a raiva que transparecia no seu rosto lhe concedia, depois de já ter feito tombar a mesa onde ela se sentava, o homem conseguira finalmente levantá-la e já arrastava a mulher consigo quando, sem que nada o fizesse prever, o velho de barbas que perto se sentava lendo o seu jornal e no qual ninguém até então reparara, incluindo eu mesmo, se levantou vagarosamente e, retirando do bolso direito da velha samarra transmontana que vestia uma pistola, a apontou ao homem que para ele olhava agora apavorado e, aparentando uma calma que muito provavelmente não sentia, sobre ele disparou três tiros certeiros que o atingiram, fazendo com que, depois de levar ambas as mãos ao peito de onde o sangue já jorrava, caísse pesadamente no chão, largando a mulher e magoando, na queda, uma criança que do espanto e mudo temor iniciais passou a um choro aflitivo e aos gritos que só acalmaram quando a mãe, também ela pálida de susto e depois de vencer a contra-corrente dos habituais mirones, a conseguiu levar para fora do café.
Na generalizada e ruidosa confusão que se seguiu e que deverá considerar-se normal dadas as circunstâncias que a provocaram, a voz grave do velho homem que disparara sobrepôs-se fazendo então ouvir as seguintes palavras:- “Eu avisei-te, filha, eu avisei-te de que o matava se ele te tocasse!...”
O que se passou a seguir foi o habitual em casos desta natureza: uma ambulância, dois carros da polícia e um chorrilho das mais díspares e disparatadas opiniões.
A “troika”, o desemprego, a crise, as medidas de austeridade, o desemprego e as omnipresentes CGTP e UGT, são termos que andam no ar e como que o empestam dificultando a respiração de quem, como é o meu caso, sofre de obstrução respiratória crónica e faz diariamente dezasseis horas de oxigénio...
“Aprioristicamente” a dita troika assemelha-se a um laboratório mal cheiroso de ideias económico-programáticas já fora de prazo. Cuida das finanças. Descura a economia. Corre o risco de matar o doente da cura! Cheira-me a que, também para eles, como reza a anedota, a coluna do “haver” é a que fica do lado da janela...
Temos hoje – dizem os entendidos, que o não sou, não obstante me tenha dedicado a vida inteira ao exercício de uma actividade das que mais emprego gerou neste País! – um dos maiores desempregos de que há memória. Setecentos mil, novecentos mil desempregados, até um milhão já eu ouvi!
Paralelamente assisto a uma CGTP renovada – para pior, diga-se – que parece apenas preocupar-se em regressar aos gloriosos tempos do PREC quando, bem ao arrepio do que o País agora necessita, teima em incentivar e decretar greves como as únicas formas que conhece de “proteger” os trabalhadores.
Fala-se em “direitos adquiridos” e nunca ouço falar em “deveres prometidos ou acordados”.
Fala-se em produtividade e pouco ouço falar em produção.
È nesta embrulhada, que agora me parece por demais perniciosa para apenas lhe chamar ridícula, que o novo e melífluo líder daquela central sindical clama às bases para que o ouçam sem se dar conta de que estas já nem sequer o vêm, preocupadas que estão, como lhes compete, em arranjar a solução que mitigue a fome dos seus filhos e lhes garanta a dignidade de vida a que terão indiscutível direito. É que já sabem que não é considerando como seu eterno inimigo o “patrão” – tal como Lenine ensinou – que logram obstar a que as fábricas fechem por falência ou as empresas se desloquem para locais mais favoráveis.
É, pois, neste contexto que me atrevo a considerar como possível a introdução na nossa legislação laboral daquilo a que os americanos chamam “incentive pay” e mais não é do que o prémio dado aos melhores, aos que mais produzem mas de uma forma bem peculiar e que os não faça adormecer à sombra dos louros conquistados confundindo-o com os ditos “direitos adquiridos”.
Explico-me: – o bom e produtivo trabalhador, que se distingue dos demais e vai para além do rotineiro e quotidiano cumprimento da sua obrigação, deve ser recompensado com palavras – o velho “louvor” militar que eleva a auto-estima e cultiva o amor-próprio– e, economicamente, com o aumento do salário que lhe proporcione, a si e aos seus, um melhor nível de vida.
Deve saber, porém e simultâneamente, que esse aumento, ou os aumentos que por tal forma houver grangeado, não lhe serão nunca atribuídos a título definitivo – como direito adquirido – mas sim e tão somente enquanto durarem os méritos laborais de produtividade que os motivaram já que, falhados estes, tais benefícios pecuniários lhe poderão ser retirados regressando ao nível salarial que lhe competir pelo acordo colectivo.
Creio que a economia nacional muito teria a ganhar se aplicasse este método embora tivesse primeiro que vencer o enorme obstáculo que seria o de “formar”juízes e de criar normas que definissem regras inequívocamente justas e que permitissem, sem margem para dúvidas, fazer com que o sistema funcionasse com isenção, equidade e livre de compadrios ou compromissos de outra ordem bem ao jeito da eterna “cunha” portuguesa.
Aqui deixo a sugestão ao Primeiro-ministro do meu País para que a pondere e lhe atribua o mérito ou o demérito que, porventura, mereça.
E já agora, que os dias vão gélidos e tão frios que ameaçam de morte os mais desgraçados que moram na rua, destemperando brutalmente a amenidade climática que, por força já do hábito, talvez pudessem ainda suportar, uma palavra apenas para dizer, como alguém que me é muito próximo me recordou há pouco, que não tenho notícia de que algo tenha sido feito pelos altos – e mesmo baixos - dignatários da CGTP, UGT, PCP ou BE em prol dos “sem abrigo” que tanto e tanto proclamam defender mas que me parece só preocuparem outros de coração bem mais empedrenido...
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