Mais uma vez mão amiga me enviou o e-mail que, sem quaisquer comentários senão os da minha plena concordância, transcrevo seguidamente para que o possa apreciar quem não teve a sorte de o ouvir ou de já o ter lido já nos locais onde habitualmente se não publicam estas notícias.
Como poderão observar vou tendo muitas mãos amigas e posso assegurar-vos que são de várias latitudes e de diferentes convicções (sociais, políticas e até reliogiosas) apenas as preocupando – pelo que me é dado observar – a clarividência e a oportunidade da opinião e o apreço que vão tendo para com a minha humilde pessoa.
Deixo-vos com a transcrição:
“Grande Marinho!!!
“A sala ficou gelada e houve poucos aplausos, quando o bastonário terminou a
sua intervenção de abertura do Ano Judicial. Marinho e Pinto concluiu o seu
«sexto e último discurso na cerimónia» considerando que a sua ausência, no
futuro, «vai agradar a muitos», incluindo a si próprio.
“Prestes a terminar o mandato como bastonário, diz que abandonará a sala com
a consciência de que «disse tudo o que havia para dizer», «tudo o que devia
ser dito».
“E ontem -à semelhança dos discursos feitos em outros anos, que foram sempre
rematados com uma citação de um poeta- Marinho e Pinto escolheu a «exaltação
clarificadora» de um poema de Ary dos Santos, na qual introduziu a palavra,
advogado:
“«Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo, dromedário
fogueira de inquisição
teorema, corolário
poema de mão em mão
lãzudo, publicitário
malabarista, cabrão
Serei tudo o que disserem:
Advogado castrado, não.»
“O poema escolhido gelou a sala e a tribuna onde se sentavam o Presidente da
República, Cavaco Silva, o Patriarca de Lisboa, José Policarpo, o presidente
do Supremo, Noronha do Nascimento, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da
Cruz e a procuradora geral da República Joana Marques Vidal””
Se dúvidas houvesse o último discurso de Seguro, em Barcelos, onde terá ido apoiar um qualquer afilhado, veio acabar com elas.
Na verdade os Portugueses, sob o disfarce de Povo ordeiro e, como hoje se diz, verdadeiramente democrático, não o é. Olhai que não o é e a história o demonstra em váridíssimos episódios! Por agora os portugueses movem-se e seguem quem fala mais alto e promete mais festa, isto é, infelizmente verdadeiro enquanto parece – parece! - não saberem o que querem!
Mas os que assim se mostram são só alguns, que não todos. Os portadores das bandeiras vermelhinhas, esses, bem doutrinados por um engravatado de última hora, operário da carris, segundo creio, bem falante e que se apresenta com fatos de bom corte, de falinhas as mais das vezes mansas e parecendo até cordatas, esses são os piores pois têm o ódio no coração e com as suas pouco esclarecidas mentes e só eivadas dele por nada mais saberem fazer, esses cuja sabedoria resulta da “cassete” milhares, quando não milhões de vezes ouvidas, agitam-se, gritam e aparentemente são ordeiros - embora pagando a uns quantos desordeiros profissionais, verdadeiros holigans da política, generosamente pagos e vindos de todo o mundo para desafiarem a polícia e gastarem ao erário público serviços, medicamentos e alguns pensos nos hospitais - esses visam um fim: - derrubar a liberdade pela qual e da qual se dizem paladinos já que tudo o que de diferente venha só lhes poderá aproveitar.
O noticiário de hoje veio cheio de novidades, pelo menos para mim, pois, entre as lenga-lengas do costume e o boletim meteorológico, pela primeira vez vi o novo Chefe dos Delegados de propaganda médica de um laboratório suiço, mostrar a cara – talvez porque não tivesse podido escondê-la, como sempre o fez enquanto vivia em Portugal e por cá fazia as suas negociatas que hoje lhe permitem ter a fortuna que tem e poder viver em Paris como vive, filosofando – se calhar tendo na mente o voltar a vir enganar os seus compatriotas convencido que estará da “prescrição” do esquecimento!, e lhe permite igualmente voar para Brasília e apor a sua assinatura numa qualquer folha de papel que gente pouco excrupulosa, como ele (os suiços do tal laboratório que têm o supremo descaramento de informar dos milhões que lucraram em Portugal!) lhe põem na frente do seu enorme nariz para que corrobore de forma insofismável a venda que fez, e continuará a fazer dos interersses da Pátria ou, no mínimo, das suas “riquezas”, com as adjudicações directas e as parcerias privadas mas não públicas, que, tanto a si como à dilecta famíla, sobretudo à mamã, lhe terão rendido milhões!
Mas não há justiça neste País? Não acontece nada? Ninguém se move? Ou será que quem poderia mexer-se se sente mais ou menos preso a pequenas/grandes outras ilegalidades pelo que o melhor caminho é o silêncio conivente e complacente, deixando que a sansão se limite a uma, ser calhar, velada, crítica dominical do sapientíssimo e infalível Professor Rebelo de Sousa?
E Seguro que faz? Ergue-se da sombra por onde andou mergulhado durante o mandato do “patrão” que o não deixava mexer-se e, caminhando agora altivo, aparentemente sereno mas não seguro, mostra-se ao País tal como é: - um mero palavroso, agitador sem ideias – que nunca as mostrou - arrogantemente interesseiro e pessoa que, em atingindo o poder que tanto parece ambicionar, não olhará a meios para atingir os seus fins.
E o Povo? Quando será que pega fogo sem saber, depois, como apagá-lo?
E os Ministros? Que triste figura vão fazendo ao permitirem o constante e concertado enxovalho de que estão sendo vítimas com as aparentes e venenosas serenatas de Grândola, Vila Morena com que lhes impedem a palavra e o discurso! Democracia isto? Oportunismo e vigarice é o que é. Nada mais. Permito-me recordar-lhes daqui uma das frases de Salazar ainda há dias aqui referidas: - "a autoridade que não é exercida, perde-se”. É isso que querem com a bonomia complacente que vêm demonstrando perante os energúmenos que, permitindo-se falar em nome de um Povo inteiro, fomentam a desordem e promovem o insulto perante a complacência das autoridades que se têrm limitando a encolher os ombros e a aceitar tudo o que é ou parece ser democrático a começar pelo próprio Ministro da Administração Interna na Guarda que, tendo tido uma oportunidade soberana de exercer a autoridade de que está investido e tendo ali os meios à sua disposição não só não o fez como ate, com a sua passividade, terá reforçado a autoridade daqueles que se lhes vêm orquestradamente opondo.
Ai Salazar, Salazar.... ergue-te da tumba que o País precisa de ti! Acaba com os partidos que o País, já todo partido não tem espaço físico e mental para os que já existem e vem governar de novo. Faz como em 1926 e obriga os comentaristas a moderarem as bicadas, os jornais e as televisões a diversificar a sua programação sem daram sempre noticias de índole política vistas por ópticas muito especiais, o que não esclarece o Povo e só o confunde, e explorando tragédias nacionais ou transnacionais, quando não acontecimentos provocatórios...
Anda, vem governar que, por cá, o desgoverno e a sanha do poder só agora se começa verdadeiramente a esboçar e a deixar-se ver mais claramente. E olha que é perigosa e é feroz a situação que se esboça!... Em termos económicos esta democracia já fez mais estragos com greves e sabotagens no trabalho e na produção nacionais do que a guerra do Ultramar toda junta nas suas trêrs frentes de batalha dos anos sessenta isto para além de não demonstrar o mínimo respeito por aqueles que por lá deixaram a vida no cumprimento do sagrado dever de defender a Pátria que, no dizer da Constituição Portuguesa de 33 - que não marxista como a actual - definia que a soberania residia em a Nação e que esta ia do Minho a Timor...!
Qual Lázaro, levanta-te Salazar e obriga esta gente, que se diz política e patriótica, a provar que o é e a mostrar cêntimo por cêntimo, a proveniência dos seus avantajados recursos materiais e depois a darem contas ao País das embrulhadas politiqueiras em que nos meteram.
Volta Salazar. Volta ou, se te sentires cansado, pede a Deus que ilumine alguém - talvez o actual Primeiro Ministro - para que, por cá, as tuas vezes faça... Portugal precisa disso ou morrerrá, uns de fome verdadeira, outros empanturrados com a festança...
Entretanto um slogan para Seguro: - “Quem votar em mim ficará seguro contra todos os riscos...”
Feito este interregno, voltarei a dedicar-me à saga da minha vida com os meus amigos de quatro patas... esses sim, verdadeiros e leais democratas que, se por vezes, recorrem ao poder do dente nunca se socorrem do insulto nem da maledicência para afirmarem as suas posições. As minhas mais sinceras homenagens a quem proferiu a célebre frase na qual cada vez mais acredito: “Quanto mais conheço os homens mais gosto dos cães...”
Como não poderia deixar de ser, o Tatu III, contemporâneo da Diana em Guimarães e que eu, infelizmente e por não poder trazê-lo comigo para Lisboa, fui obrigado a oferecer a um velho caçador da vila das Taipas que, tendo já doze cães, se abalançou a ter mais aquele pois, que se lhe afigurava vir a ser um bom cão de caça e que, no dizer dos próprios filhos, já homens, tratava os seus cães melhor do que a eles mesmos pois cada cão tinha o seu próprio apartamento, criteriosamente adaptado às suas características particulares e que diàriamente era devidamente limpo por um cuidador especialmente contratado para o efeito.
Não foi, portanto, preocupado com a sorte que iria ter o Tatu III que dele me despedi mas sim porque via desaparecer mais um amigo dedicado e que algumas provas já me tinha dado disso mesmo para além da que diariamente me dava quando me via chegar a casa e me recebia com as fortes e afectivas chicotadas da sua cauda que, não obstante baterem a a maior parte das vezes nas botas altas do meu uniforme, nem por isso deixavam de ser duplamente sentidas: - primeiro pela força com que eram desferidas e segundo pela alegria que exuberantemente demonstravam ao rever-me no nosso dia a dia mais parecendo que mil anos nos separavam desde o nosso último encontro.
Era o Tatu III um bonito perdigueiro português, de raça pura, malhado com algumas manchas castanhas que se destacavam na brancura do restante pelo, e que, recebido ainda bebé em minha casa, por oferta de um grande amigo meu, juntamente com uma sua irmã toda negra – o que eu nunca vira am cães perdigueiros - e que tive o prazer de oferecer a meu pai, na altura a viver na Foz do Douro e que a recebeu com manifesta alegria pois adorava animais, sobretudo cães de caça que lhe fariam recordar os velhos tempos de Vidago e das caçadas que aí fazia.
Cresceu, pois, o Tatu, tal como a Diana de que já aqui falei, em minha casa, em Guimarães, naquele mesmo terraço já aqui referido quando contei a história do Polo que, entretanto, morrera, e por conseguinte ele, como cão de caça que era, não teve oportunidade de “fazer as patas”, como se costuma dizer, pois no enorme terraço onde se encontrava não teve oportunidade de pisar o duro terreno do mato, onde só muito raramente o levava, circunstância que, um belo dia, deu lugar a uma cena caricata e de que não mais me esqueci.
Convidado por um amigo meu, infelizmente já falecido, que tinha bons cães e era um belíssimo caçador, decidi-me a levar comigo o Tatu para o iniciar nas lides que, afinal, seriam as da sua própria índole e vocação.
Assim, mal saímos dos carros e os cães foram soltos, logo estes iniciaram a sua busca da caça, de coelhos e perdizes, o que estará certamente na sua própria génese pois ninguém os ensina a tal.
Internando-nos na zona escolhida para a caça nesse dia, zona onde abundava o mato rasteiro e, muito naturalmente, entre este o tojo, planta espinhosa a traicoeira, o meu amigo seguiu por um dos lados e eu pelo outro do pequeno vale que tinhamos pela frente imediatamente os cães iniciando as suas actividades de busca e detecção da caça.
Tinha o meu amigo já tido a oportunidade de abater um ou dois coelhos e uma ou duas perdizes sem que eu tivesse disparado um só tiro pois a caça não aparecia do meu lado e é actividade a que sou, como aliás já antes disse aqui, um pouco avesso, quando comecei a ouvir latidos do meu próprio cão tendo ent~<ao repartado que este vinha atrás de mim e não à frente como se lhe imporia para poder farejar e detectar a caça. Reparando um pouco melhor, vi que o Tatu latia ao sentir as picadelas do tojo e do mato nas patas, a que não estava habituado, pois até aí só andara em cimento liso e não as tinha calejadasróprias para andar no mato. Resolvi então esperar um pouco por ele e, libertando-o de tão pesado sacrifício, peguei-lhe ao colo tendo terminado a caçada sem caça alguma e com a arma, uma FN de 5 tiros, a tiracolo num dos ombros e o cão no outro o que provocou o riso sadio do meu amigo e companheiro assim como a benevolência da sua amiga compreensão para o incidente que, segundo ele, era o primeiro a que assistia.
Relativamente ao Tatu direi ainda que, tendo o novo dono vindo buscá-lo a minha casa numa carrinha especialmente preparada para o transporte de cães, lá o levou para o seu novo lar, na vila das Taipas, a cerca de sete quilómetros de Guimarães.
Porém e para espanto de todos nós, dias depois, ouvindo um ruido esquisito e insistente na porta da rua, a nossa empregada doméstica foi ver do que se tratava tendo-se deparado com o Tatu que fugira ao novo dono e por artes que só os cães têm, tinha encontrado o caminho de volta a casa onde, passando por ela como uma flecha, foi refugiar-se na casota, bem lá no fundo e de onde nem para comer queria sair.
Imagine-se a tristeza que voltei a sentir quando o vi partir de novo com o dono a quem de imediato telefonei dizendo-lhe o que se passara pelo que este, tendo-o vindo buscar de novo certamente terá tomado medidas especiais e destinadas a impedir uma sua nova fuga.
Claro que fui mantendo contacto com a pessoa a quem oferecera o cão e, pouco a pouco, as notícias que dele fui recebendo foram sendo mais animadoras e minimizadoras da saudade, quase remorço, que sentia pois ele contava-me que já o acostumara a pisar o mato e que, pouco a pouco, já aclimatado à sua nova morada e aos seus companheiros de “profissão” se estava revelando um excelente cão de caça.
Feliz e infeliz com o que ouvia foram estes os antagónicos sentimentos que durante muito tempo me acompanharam quando re recordava deste amigo de que, em tão estranhas circunstâncias e sem que essa fosse a minha verdadeira vontade, me vi forçado a afastar-me.
Depois do atropelamento e morte do Tatu II, quando já casado e pai de uma filha, - os rapazes vieram depois - resolvi dar de presente à minha então mulher – hoje estamos divorciados – um cartucho que lhe disse conter uma fruta que sabia ser do seu apreço.
Chegado a casa por volta da hora do almoço, foi com ar desprendido que pousei o cartucho em cima de uma cadeira da cozinha dizendo-lhe que se tratava de fruta de que ela gostava. Agradecendo a atenção foi só quando o cartucho deu mostras de se mover um pouco que ela, curiosa, lhe pegou e abrindo-o, descobriu no seu interior um pequeno “fox-terrier” de pelo curto que, por sabe-la muito apegada a animais domésticos - particularmente gatos, de que eu não gostava muito – decidi oferecer-lhe ainda que fosse um cão e não um gato.
Baptizado com o nome de “Polo”, o cachorrinho que ela não largava em lado algum foi crescendo e, ao crescer, foi fazendo as asneiras normais de um cão bebé - roía tudo o que pudesse - mas que por ela eram totalmente desculpadas pois afeiçoara-se realmente ao cão e, pelo que me era dado observar, o cão a ela.
Relativamente ao Polo, recordo que num dos habituais passeios dominicais, levando ela o cão ao colo, não reparou que ele ia “anormalmente” socegado e foi só quando parámos e ela saíu do carro que pode verificar a que ficara a dever-se tanto socego! O Polo havia-lhe ”comido” parte de um bom casaco comprido, preto e bastante caro, e que ela tinha estriado nesse mesmo dia.
Entre o zangada e intrigada, recordo-me que o que mais a preocupava era o facto de o cão poder ficar doente pois não encontrava o tecido que equivaleria, no mínimo, a um pedaço equivalemte a um quadrado de vinte centímetros de lado pois tratava-se de um bolso. De tudo só uma conclusão poderíamos tirar: - o cão havia mesmo “comido” a fazenda. Fiapo a fiapo, pedacinho a pedacinho, devia ter-lhe sabido imensamente bem e não mostrava indisposição alguma com a sua ingestão! Incrível mas verdadeiro!...
Como quase todos os cães daquela raça – normalmente cães de circo e imensamente espertos - aprendem com facilidade tudo o que se lhes ensina. Apenas a visão de um gato o punha completamente fora de si e nessas alturas não obedecia fosse ao que fosse como adiante irei referir num passo de certo modo complicado da sua longa vida.
Havia-o ensinado a permanecer sentado e quieto no lugar onde o tivesse mandado ficar e a não sair de lá sem autorização o que ele cumpria exemplarmente e tão exemplarmente que se passou o que narrarei a seguir:
- Um dia, durante o almoço – convém dizer que nessa altura ainda vivíamos em casa dos meus pais, na Foz do Douro, – o Polo andava em redor de todos nós pedindo o que tão bem lhe cheirava e incomodando toda a gente pelo que eu, levantando-me, o levei para um canto da sala e lhe dei ordem para não sair dali no que prontamente fui obedecido. Acabado o almoço saí, e, como normalmente, e dirigi-me para o Porto, para o quartel – Metralhadoras nº3, mesmo ao ladp do Palácio de Cristal - onde já me esperava um telefonema de casa, de minha mãe, (ainda não havia telemóveis!) para lá voltar porque o assunto era urgente.
Pedindo licença ao comandante – felizmente não estava de serviço – este não só me autorizou como me disse mesmo para, se não tivesse nada de especial a fazer naquela tarde, regressar só no dia seguinte.
Regressado, pois, a casa, minha mãe e minha mulher contaram-me o que se passava: – o Polo permanecia sentado na sala de jantar e no lugar onde eu o mandara ficar e, mesmo quando nele pegavam e o levavam para outro sítio, logo ele corria a ocupar o seu “posto de serviço” pois ficara fielmente a aguardar que eu lhe desse ordem para sair dali do que me havia completamente esquecido...
Anos mais tarde e já ao serviço da Guarda Republicana, em Guimarães, para onde fora requisitado ao Exército e na casa que aí alugara, o Polo dispunha de um terraço amplo onde costumava brincar com as crianças que, entretanto, haviam nascido e iam crescendo. Nas trazeiras dessa nossa casa havia todo um vasto espaço de uma garagem de camionagem cujo telhado, como era normal nas grandes superfícies, como fábricas, por exemplo, por necessidades de ventilação e de iluminação, era formado por vários corpos elevados, todos iguais, paralelos e que se sucediam uns aos outros, todos terminando num cume em forma de bico. Desse modo qualquer animal que por ali corresse seria visto quando atingisse o ponto mais elevado para logo desaparecer quando descesse para o próximo e assim sucessivamente.
Assim e não obstante o muro fosse de certo modo elevado, pelo que os gatos das redondesas por ele se pavoneavam como que caçoando do cão que para eles ladrava e pulava sem os conseguir atingir. Porém o certo é que, um belo dia, o Polo teve artes de atingir o alto do muro e, em seguida, perante o olhar atónito de todos nós que assistimos à cena, que teve o seu lado cómico não fora o desfecho final quase trágico para o pobre cachorro, lançou-se na perseguição de um gato mais ousado e que ele pretendia apanhar.
Assim, o que víamos do terraço onde nos encontravamos e ao longo de uns bons 50 a 100 metros que tanto teria em extensão o telhado da garagem, era o espectáculo grotescamente animado de um gato e um cão que apareciam e desapareciam da nossa vista à medida em que se iam afastando de nós ao longo do telhado até que deixámos de ver tanto o gato como o cão ficando então a aguardar que o Polo regressasse a casa, gorada que fora a sua caçada. Porém não tendo isso acontecido e tendo em consideração que o telhado terminava abruptamente e a consideravel altura quando o edifício encontrava um pequeno curso de água como era vulgar nos campos que então rodeavam a zona, ficámos, obviamente preocupados.
Em vão nos fartámos de o chamar sem resposta alguma pelo que logo supondo que algo de anormal lhe pudesse ter acontecido de imediato iniciámos as buscas, sem sucesso, para o encontrar.
Porém, acontecia que nessa noite tanto eu como a minha mulher tínhamos um compromisso social a que não poderíamos faltar tendo eu tido o cuidado de relatar o acontecido ao empregado da garagem, que conhecia bem o nosso cão e nos prometeu que, se o visse, imediatamente tomaria conta dele.
Já perto da meia noite, quando regressámos a casa, ainda não havia notícias do Polo pelo que eu, no interior, então deserto da garagem, o que produzia um certo eco, recomendei uma vez mais ao empregado que ficava lá de noite para que, se acaso o visse me chamasse em casa – na porta ao lado – pois ele dava pelo nome de “Polo”.
Nesse preciso momento ouvimos um breve e fraco latido que provinha das traseiras do edifício pelo que, alertado pelo que ouvira, chamei de novo e desta vez um pouco mais alto: - Polo! – tendo então podido ouvir distintamente o mesmo latido do nosso cão que pedia ajuda.
Custou-nos a encontrá-lo pois não havia luz e ele encontrava-se precisamente numa pequena e pedregosa ilhota do ribeiro que corria paralelo à parede do edifício, molhado, cheio de frio e ferido.
Transportado para casa, minha ex-mulher, que tinha e tem uma natural capacidade de lidar e tratar os animais, apercebendo-se de que ele devia ter uma das patas dianteiras fracturada, imediatamente lhe improvisou umas talas e lhe fez a imobilização do membro que, engenhosamente e para que ele o não viesse a utilizar nas suas deslocações, conseguiu que ficasse dependurado ao seu pescoço, tal como vemos nos humanos e lhe valeu rasgados elogios do médico veterinário quando, no dia seguinte, o levámos ao seu consultório para ser tratado.
Assim e de pata dianteira ao peito andou o Polo durante cerca de 3 ou 4 meses até à consolidação da sua fractura após o que lhe foram retiradas as ligaduras e as talas que lhe imobilizavam a pata. Entretanto ele havia adquirido o hábito de caminhar apenas em três patas pelo que, já sem talas e com a pata já livre continuou a andar com a pata dianteira no ar como se continuasse ferida. Mas... meus amigos, isto era só até ver um gato pois, quando isso acontecia era com as quatro patas que corria atrás dele, e isto porque não tinha cinco para fazê-lo.
Com grande pena nossa, o Polo acabou por morrer, ainda em Guimarães e já muito velho, cerca de uns quinze anos depois, todo amarelo e com uma icterícia fulminante. Refilão e atrevido, embora obediente como poucos, foi com grande pesar que o vimos partir seguindo, assim, a inexorável lei da vida!
Substutuiram-no a Diana, cuja história já aqui referi e um novo perdigueiro a que chamei novamente Tatu, o terceiro, e cuja história contarei a seguir já que teve pormenores que merecerão ser contados neste pequeno album de recordações que me propuz fazer.
A seguir à morte do Max e talvez para tentar compensar-me da sua perda, meu pai resolveu presentear-me com um pequeno perdigueiro “Pointer” (meu pai talvez não desistisse de fazer de mim um caçador!), de pêlo pigarço e compridas orelhas quase todas castanhas, como era o velho Tatu cuja história já aqui referi. Dir-se-ia uma réplica dele mas em ponto pequeno e muito novinho ainda.
Escusado será dizer da minha alegria quando meu pai me deu o cão.
Minha mãe, porém, desde algumas asneiras que tinham sido feitas pelo Max, estabelecera como lei que os cães nunca mais poderiam aceder aos andares superiores da casa pelo que se deveriam limitar ao quintal e ao rés-do-chão. Assim, o novo Tatu – nome que entendi dever dar-lhe em homenagem ao velho amigo que já desaparecera e dada a sua semelhança com ele – depois de educado limitava-se a tentadoramente colocar a pata no primeiro degrau que levava ao primeiro andar mas mais não fazia nem que o chamassem.
Um dia, estando sentado num banco do jardim do parque, o Tatu, que andava às correrias por ali, resolveu saltar para o banco e sentar-se ao meu lado. Só que, com tão pouca sorte o fez que entalou uma das patas dianteiras entre as tábuas do banco e depois não conseguiu tirá-la pelo que começou a ganir de dor com o esforço que fazia.
Sem pensar e apenas tentando resolver a situação do meu pequeno cachorro, debrucei-me sobre a pata entalada e rodei-lha um pouco para que ele a pudesse tirar. Nessa operação de socorro devo tê-lo magoado um pouco pelo que, instintivamente, ao mesmo lempo que lhe libertava a pata, ele. em pura acção de defesa e obedecendo, como seria de esperar, ao seu instinto animal, mordeu-me na orelha esquerda pondo-a a sangrar.
Nessa altura e não obstante a dor que sentia na orelha ferida, que o Tatu, manifestamente aftito se apressou logo a começar a lamber, limpando o sangue e desinfectando-me a ferida que me causara, quase ameaçando comer-ma, não obstante a dor que sentira e a minha pequena idade recordo-me de me ter começado a rir com mais pena do cão do que de mim próprio.
Durante todo esse dia fui cumulado de atenções pelo meu amigo de quatro patas que, não se cansando de me pedir desculpa através do seu olhar meigo e verdadeiramente contristado, e, sempre que podia, dava-me uma nova lambidela na orelha que me ferira o que me fez sentir o seu verdadeiro arrependimento pelo que fizera a par da sua enorme preocupação e assumindo em tudo atitudes e sentimentos que habitualmente julgamos serem só apanágio dos humanos o que não será verdade!
Cêdo, porém a ferida sarou – a saliva dos cães terá esse poder desinfectante e curativo – e o incidente foi por ambos esquecido muito embora, pelo que me lembro, nunca mais o tivesse visto a saltar para cima de qualquer banco semelhante àquele que o magoara.
E assim ia decorrendo a nossa vida entre as brincadeiras próprias da nossa mútua juventude. Uma manhã, porém, completamente ao contrário do que seria habitual, acordei sentindo que algo me soprava no pescoço e me fazia cócegas no rosto. Era o Tatu que, desobedecendo pela primeira e única, como depois se veio infelizmente a comprovar, vez à proibição que escrupulosamente respeitara até aí de nunca subir ao primeiro andar, me viera acordar o que fazia pela primeira vez pelo que foi imediatamente corrido pelas escadas abaixo.
Horas depois vieram dizer-me que fora mortalmente atropelado por uma camioneta, na estada nacional, do outro lado da estação, cujo motorista, para não ser responsdabilizado, havia fugido nunca tendo sido localizado a despeito dos esforços que todos fizémos nesse sentido.
Até hoje que esta dúvida me persegue: - será que o Tatu, pressentindo a sua própria morte, quis vir despedir-se de mim?
Resta-me a eterna dúvida e a permanente saudade que a sua lembrança sempre me tropuxe, traz e sei que trará...
Encantado e usando de todas as oportunidades para utilizar os novos “clubs” de golfe que meu pai aos sete anos me oferecera – Parshot, uma famosa marca inglesa, da marca dos seus mas para o meu tamanho – nessa manhã resolvi ensaiar umas pancadas no passeio térreo da Avenida, em frente à minha casa o que fiz utilizando para o efeito umas bolas já mais velhas, mas jogáveis ainda e que o meu pai me dera também.
Assim, colocada a bola no chão e com o ferro nº 7 (normalmente utilizado para bater as bolas na areia dos “bunkers”) resolvi batê-la, não com muita força, na direcção da vedação de rede e arbustos altos que separavam a Avenida da estação dos caminhos de ferro de Vidago.
Batida a bola – bem demais e com excessiva força pois não estava ainda muito habituado aos ferros – eis que a vejo elevar-se nos ares e, depois de transpor a vedação e um vagão que ali estava estacionado para carregar ou descarregar as grades das águas de Vidago, bater uma e duas vezes, com o som característico e que eu bem conhecia de uma bola de golf batendo em pedra ou no cimento e logo de seguida o estilhaçar de uns vidros que me garantia, sem a menor sombra de dúvida, que a bola atravessara ambos os cais de embarque a atingira uma das portas envidraçadas da gare, já na Restação própriamente dita.
Corri de imediato a arrumar bolas e ferros dentro de casa após o que passei, cheio de medo, a aguardar os acontecimentos que, bem por certo, se iriam suceder e que não me seriam nada favoráveis, disso tinha eu a certeza.
A hora do almoço chegara e foi com o maior esforço que mal comi, sentado à mesa com os meus pais mas sempre com o pressentimento de que não tardaria em baterem à porta para me acusarem dos estragos feitos. Porém, o almoço decorreu calmamente e nada nem ninguém apareceu a reclamar os prejuízos...
Porém, seriam umas três ou quatro horas da tarde, estaríamos em plena Primavera pois o fim do dia ainda tardava e o sol ainda se não escondera por detrás do monte, quando surgiu um funcionário da estação, com o seu fato de macaco azul acinzentado e o seu boné amolgado com uma cinta encarnada, que de imediato reconheci e que me vinha chamar a mando do Sr. Oliveira, o Chefe da Estação que, como era normal na altura, nela residia ocupando o primeiro andar da parte central do extenso edifício.
Calado e tremendo como varas verdes mas disposto a tudo fazer, a tudo confessar para que o desastre não chegasse aos ouvidos do meu pai ou da minha mãe, acompanhei o funcionário até ao cais principal – havia dois e não havia perigo pois só havia dois comboios por dia, um cerca das onze horas Chaves-Régua e outro por volta das quatro e meia cinco horas, Régua-Chaves – onde o chefe Oliveira, como seu boné branco e casaco escuro, me esperava com ar sorridente o que suavisou um pouco a minha apreensão.
Pondo-me afavelmente a mão no ombro, o senhor Oliveira disse-me então que fosse com ele até sua casa pois sua mulher, a D. Leonilde, tinha uma supresa para me dar. Devo confessar que imediatamente pensei que seria a bola de golfe que havia precisamente partido o grande vidro da porta que dava acesso às escadas para a sua habitação, e que quando entrara reparei estar partido faltando-lhe um pedaço, pelo que o meu apertado coração e a minha atrofiada consciência de imediato iniciaram a mais plausível busca de explicações para um pedido de desculpa que pudesse suavisar a situação.
Porém, surpresa das surpresas, aberta a porta principal da casa foi a própria D.Leonilde que me recebeu, convidando-me gentilmente a entrar e a sentar-me numa pequena salinha que se seguia à porta enquanto ia dentro buscar a prenda com que queria obsequiar-me. Entretanto o chefe Oliveira, que entrara e se sentara também, sorria-me sem dizer palavra. Foram, séculos que os breves minutos que se sucederam representaram para mim até que D. Leonilde regressou trazendo nos braços uma bola branca de algodão em rama donde despontava o negro de um pequeno focinho encimado por uns olhitos muito brilhantes e negros também. Era o Max – nome com que posteriormente o baptizei – a surpresa que tinha para dar-me.
O Max era um cãozinho pequeno e, como todos os cães pequenos, cheio de complexos caninos, teimoso, pouco obediente e necessitando a toda a hora de afirmar a sua vontade através de um ladrar furioso que variava de tom conforme os desejos ou as razões que o motivavam. Em pequenino e até porque eu nunca o largava, rapidamente se habituou a mim e a respeitar-me como seu dono.
Digo isto porque a minha experiência com cães das mais variadas raças e origens me tem demonstrado que são eles quem escolhe o seu dono e não o contrário como tão erradamente se tem entendido. A seu tempo vos darei as razões em que se baseia esta minha convicção não obstante
reconheça que o contacto permanente com uma determinada pessoa faça com que o cão fique propenso a aceitá-la como o “seu amo e senhor”.
Recordo o Max, completamente branco e muito felpudo e que, quando pequenino, sobretudo na Avenida, que tinha um pendor de certo modo acentuado, quando chamado por mim, corria tão desalmadamente que invariávelmente trocava as patas e me chegava não andando mas sim rebolando como se de uma bola de pelo se tratasse.
Teimoso, como era, ia correr e ladrar sempre que podia ou me apanhava desatento às rodas da frente dos automóveis (poucos) que passavam. De uma vez apanhou uma pancada pelo que ficou a coxear de uma das patas traseiras. Passado algum tempo e depois de já recuperado, como não perdera a mania, morreu mesmo atropelado sem culpa alguma para o condutor mas com enorme tristeza e dor para mim e para todos nós que lhe fizemos um funeral numa cova aberta a preceito num dos cantos mais recônditos do nosso grande quintal.
Ao Max como ao Tatu, que já aqui recordei e me deu a conhecer o que era um cão, a minha saudade e o meu agradecimento pelos alegres e felizes momentos que me fizeram passar.
O primeiro “senhor cão” que conheci foi aquele que, quando deixando de ser bebé de colo, me fui dando uma conta mais interessada e consciente do que se passava à minha volta.
Foi o Tatu o grande cão perdigueiro de meu Pai, que gostava de caçar – o que já não acontece comigo já que me custa infligir deliberadamente a morte a qualquer ser vivo que me não ataque ou que não seja reconhecidamente perigoso!
Como não eramos ricos . nem nunca o fomos - e meu pai, sendo médico, entendia que não devia agravar a doença dos seus pacientes, na sua esmagadora maioria gente de muito poucas posses das aldeias em redor de Vidago: - Vilarinho das Paranheiras, Loivos, Arcoçó, Oura, Pinho e muitas mais de que me não recordo já o nome, - tratando-a das suas maleitas para lhas agravar depois – como dizia - com contas para pagar, era ele quem cuidava da preparação dos seus próprios cartuchos para o que adquiria os invólucros, já com o fulminante, bem como a pólvora e o chumbo – bolinhas de diferentes calibres - e os carregava numa maquineta de que nunca me deixou sequer aproximar.
O Tatu, porém, quando lhe cheirava a pólvora todo ele era um alvoroço e nada o fazia parar, agitado de felicidade na previsão de mais uma caçada, correndo de um lado para o outro e abanando a cauda que era como um chicote quando nos atingia nas pernas.
Era o Tatu um perdigueiro “Navarro”, de dois narizes que, conforme contava o meu pai, costumava subir a pedras altas para daí farejar os ares após o que, descendo delas, se encaminhava na direcão das perdizes que invariávelmente encontrava parando, como que sunitamente petrificado, pata no ar e cauda esticada, sem fazer o menos ruído até que meu pai, que o seguia, lhe fizesse sinal para avançar. Assim detectava as perdizes a uns nove ou dez metros de distância que logo levantavam voo ao pressenti-lo mas já com pouco tempo para escaparem, uma ou duas, aos tiros certeiros que meu pai então disparava. Depois, vendo onde caíam e por muito que, por mal feridas se tentassem esconder, o Tatu logo as ia buscar trazendo-as delicadamente ao dono que as pendurava no seu cinturão.
A vida profissional não deixava ao meu pai grandes oportunidades de praticar a caça o que só fazia quando não tinha entre mãos qualquer caso de especial perigosidade mas, mesmo assim, nunca se asusentava para caçar sem deixar sempre em casa, a minha mãe, muitas vezes a sua enfermeira e secretária – além de ministro das finanças! - uma detalhada informação do local onde o poderiam encontrar em caso de necessidade tendo sido varias as vezes em que o foram chamar a meio da sua caçada que ele imediatamente abandonou para acorrer a quem necessitava dos seus serviços para o que havia sempre preparada em casa uma maleta com o material de primeiros socorros que, ou estava com ele no carro, ou era entregue por minha mãe a quem o fosse à serra chamar.
Fora da época da caça o Tatu, não obstante a sua idade já algo avançada, além de fiel amigo e atento guarda da casa compartilhava também das minhas das minhas brincadeiras, deixando-me andar a cavalo nele até que cansado, pela fadiga ou pelo meu abuso, decidia deitar-se não havendo mais forma de o fazer retomar a sua actividade pseudo equestre.
Dócil para toda a gente era, todavia, algo cioso da dedicação que meu pai pudesse dedicar a outros animais, principalmente aos cães que dele naturalmente se aproximavam e a que meu pai, nunca indiferente a tudo o que tivesse quatro patas, às vezes afagava um pouco na cabeça. Entre vários, recordo-me de entre eles haver um cachorro grandalhão e de cor castanha clara que tudo indicava não ter dono e que costumava andar por ali, perto da nossa casa e que tinha por hábito o exceder-se nas manifestações de alegria que manifestava quando via o meu pai. Embora estando muitas vezes presente, o Tatu nunca mostrou importunar-se muito com o que acontecia até que, uma bela tarde, o outro cão, ao ver que o Tatu se aproximava para também ele ser o legítimo alvo dos afagos do seu dono, se permitiu rosnar-lhe mostrando-lhe os dentes numa atitude de manifesto desafio e posse.
Contava meu pai que nunca tinha visto tal comportamente no Tatu e que, para além da surpresa, foi enorme, não obstante a ajuda que logo teve de outras pessoas que a tudo assistiram, a dificuldade em separar ambos os cães, sobretudo em evitar que o Tatu que, então cego de raiva, já
tinha filado o seu antagonista pela garganta e estava prestes a asfixiá-lo ou a partir-lhe o pescoço, acabando por matá-lo ali mesmo. O outro cachorro, ferido e mal se sentiu libertado logo fugiu, tendo, muito seguramente aprendido a lição, desaparecendo e, pelo que dizia meu pai, nunca mais terá sido visto por ali.
Um outro acontecimento merecerá referência na vida deste Tatu.
Um dia, convidado por um médico seu colega e amigo, meu pai resolveu ir à caça para os lados de Pinho – a uns bons vinte quilómetros de casa – e, porque o outro caçador levava dois ou três cães que queria mostrar a meu pai, este resolveu deixar ficar o Tatu em casa partindo ambos no carro do primeiro, seriam, pelo que me recordo de ouvir a meu pai, aí umas sete e meia de manhã.
Pois qual não foi o espanto dele quando, por volta do meio dia, lhe apareceu o Tatu em plena serra e a seu lado pronto para lhe fazer companhia na caçada que já ia longa! Ele havia conseguido escapulir-se de casa e descoberto o caminho até ao dono, a ele se apresentando como julgava ser o seu dever e zangado, talvez, por haver sido trocado por outros "camaradas" novatos e vindos da cidade!...
Morreu, creio que, de velhice. Não me recordo exactamente como mas sempre que dele me lembro é com saudade que o recordo e mudamente lhe agradeço a paciência que sempre demonstrou para comigo, uma irrequieta e irreverente criança entre os quatro e cinco anos e que não reparava no respeito que lhe deveriam merecer aqueles bigodes já brancos do velho e tão dedicado amigo que o Tatu sempre foi para todos nós...
Não, não foi uma pessoa. A Diana foi uma cadela de raça pura, “Castro Laboreiro”, que me foi oferecida por um professor do Liceu de Guimarães onde dei aulas de educação física quando comandava a GNR em Guimarães.
Da Diana foi-me dada a oportunidade de ver uma sua irmã gémea no Jardim Zoológico de Lisboa cuja jaula ostentava os dizeres de advertência ao público: - “Animal feroz. Não aproximar das grades.”
Ora a Diana não era um animal feroz, nunca o foi, muito embora e por algumas vezes tivesse tido a oportunidade de demonstrar a sua “personalidade canina”.
Dócil e meiga à sua maneira, não era obediente. Quando a chamava levantava a orelha, arregalava o olho do lado de onde lhe provinha o som mas só se mexia quando queria.
Um dia, era o meu filho Jorge muito pequeno, (o segundo a contar da erquerda na foto que acima publico) e traquina e teimoso como era, não me deixava ler tranquilamente o jornal não obstante várias vezes avisado por mim para que parasse de me abanar um dos braços com que o segurava. Esgotados os argumentos suasórios de que dispunha, só com uma leve sapatada na fralda que o enchumaçava ele parou com o que há mais de meia hora vinha fazendo mas, como lhe era peculiar também, reagiu à ofensa e sentado no chão à minha frente desatou numa choradeira interminável.
Porém, ao fazer o que fiz não reparei que a Diana, que se encontrava na sala, enrolada junto de uma cadeira parcialmente oculta pela camilha da mesa que lá havia, ao ver o que se passara foi de um salto que sobre mim se lançou abocanhando-me um braço e só me não mordendo efectivamente porque tinha vestido um velho blusão militar de couro verde. Todavia, a pressão que senti, deu para entender o aviso que me fazia após o que se dirtigiu ao Jorge, que continuava choroso e sentado no chão, lambendo-lhe cuidadosamente o rosto e as lágrimas até que este, porventura surpreendido com o que a cadela fazia, parou de chorar já quer não era de dor que chorava.
Esta, seguidamente, sentada entre mim e o meu filho e fitando-me com os seus olhos cor do aço, que eram a sua característica, declaradamente me desafiou a tocar-lhe de novo.
Durou largos minutos aquela nossa postura até que eu, passada a surpresa que tivera, me decidi a afagar a cabeça da cadela que docilmente aceitou o meu afago mas sem se desviar da posição que tomara, sentada entre mim e o Jorge.
Nesse momento exacto, eu que já sabia estar nomeado para a Repartição do Justiça do Comando-Geral, para onde me teria de mudar em breve, decidi que acontecesse o que acontecesse o futuro da Diana seria em nossa casa até terminar os seus dias o que efectivamente veio a acontecer, anos mais tarde já havia saído da Guarda, estava separado da minha mulher e, segundo soube, estando a Diana muito doente e havendo-a transportado para a sua seira, onde tinha o seu ninho, teimou em arrastastar-se de noite para ir morrer no tapete, no quarto dos pequenos, entre as duas camas. Fora a sua forma de se despedir dos seus meninos...
Entretanto e tempos antes, numa manhã e como habitualmente, deslocando-me de carro em direcção ao escritório onde trabalhava, em Lisboa, vi pelo retrovisor e por mero acaso, já perto da estação de Oeiras, que ela me seguia, correndo desalmadamente atrás do carro e obrigando-me a parar e retroceder para a levar a casa. Aí descobri que ouvindo-me sair, o que fazia todas as manhãs mas tendo um poucvo da janela da marquise aberta, não hesitou em saltar da altura do primeiro andar para vir atrás de mim, correndo atrás do meu carro.
Outra coisa que, um dia vim a saber que ela habitualmente fazia: - “autorizava” a entrada do homem que vinha contar a electricidade ou a água mas já os não deixava sair sendo necessária a intervenção de algum dos pequenos ou da mãe para que saissem.
Duas curiosidades mais acerca desta cadela que, como uma outra, esta última de raça “boxer” tigrada permanecem vivas na minha memória e que tanta companhia me fizeram...
Gosto verdadeiramente dos cães, que desde menino tive e com quem sempre convivi. Detesto muita gente que me rodeia e com quem sou forçado a conviver...
Acho que, um dia destes, irei escrever aqui as suas histórias que de todas me recordo e conservo no meu coração.
No facebook e à questão que lá me era posta de “how do you feel today?”, respondi “alone...” e por tal facto já fui questionado por alguém que está longe, muito longe do local onde me encontro fisicamente mas não em espírito...
E é na verdade assim mesmo: - rodeado de gente que julgo com obrigações especiais sinto-me isolado não só em pensamento como também fisicamente pois só estas paredes me rodeiam quando não sou visitado por uma senhora que, encarregada apenas de cuidar da limpeza e higiene desta minha pequena casa, muito se tem excedido no cumprimento dessa sua obrigação e de tal modo que, não obstante lhe venha pagando os serviços acordados, de muito mais me sinto dela devedor pelo que já lhe devo, a ela e ao seu marido, em dedicação e cuidados de que tenho sido alvo nunca se tendo furtado a um pedido de última hora, muitas vezes não urgente, mas que pelo telefone daqui lhes faça. Assim e aproveitando a ocasião que ora se apresenta mais uma vez um muito obrigado à D. Laurinda, ao Sr. João e já agora aos filhos do casal, meus netos adoptivos, o Helder, mais velho, e à Sofia, futura e promissora licenciada com bolsa de estudo.
Não teria, portanto, razões para me sentir só mas a verdade é que sinto, afastado talvez das pessoas que o ADN por definição deveria juntar ou daquelas que, por razões especiais e óbvias, tanta falta nos fazem.
Desculpem-me, portanto, a pouca companhia que hoje vos farei mas a verdade é que me sinto com direito a sentir como me sinto: - só!
De há muito que o meu subconsciente me vem interrogando sobre se serei ou não um potencialmente novo "velho do Restelo"!
É que a modernidade, que me lembro de, em tempos idos, ter acalentado e desejado tanto surge-me hoje como fastidiosa, inconsequente, ilógica e quase insana!
Assim, numa perspectiva sempre audaciosa e falível de auto-análise, sempre discutível, vejamos o porquê, ou melhor, os porquês de tal sentir:
Primeiro: - não entendo como, em nome de uma liberdade e de uma democracia, de há milénios, bafienta e nunca com significado consensualmente aceite, (vidé a definição que dela já dava o clarividente e verdadeiro herói do meu tempo, Sir Winston Churchil!) não entendo como se permite conceder, sem uma reacção oportuna, decisiva e marcadamente autoritária de quem governa, e antes passivamente aceitando, o direito às greves que, talvez beneficiando algumas dezenas de indivíduos corporativamente unidos por classes que sabem ser bem essenciais ao colectivo mas que, sem qualquer outra representação que não seja a delas mesmas, se permitem prejudicar milhares de cidadãos e causar milhões de prejuízo a um país já bem depauperado pelas duvidosas manigâncias de um governo de vergonha que de tudo se serviu para se manter no poder (donde “jamais” quereria ter saído) tendo à sua frente um indivíduo sem escrúpulos e de moralidade mais do que duvidosa e que se encontra hoje em Paris vivendo bem e sem quaisquer dificuldades económicas o prudente auto-exílio que a si mesmo se impôs!
Recordamos neste ponto e apenas as sucessivas greves dos ferroviários e a dos estivadores do centro e sul do País.
Segundo: - não entendo a graça grotesca que hoje uma comunidade acarneirada encontra a uns quantos pacóvios de rua que brilham nas ribaltas radiofónicas e televisivas para um povo embasbacado que, sem que o sinta ou saiba mas que, bem lá no fundo, creio se rirá mais de si mesmo do que propriamente das idiotas quando não grosseiríssimas asneiras que nas Tvs e rádios vê e ouve. Será este o triste fim de quem se diz haver sido um dos alunos mais brilhantes de uma certa universidade ou a prova evidente de que a universidade já não satisfaria e permaneceria como tal e com tal estatuto num exame que a si mesma pudesse realizar?
Recordamo-nos de um tal Araújo Pereira, hoje não só na TV como igualmente na rádio onde, pelos vistos, se tormou indispensável, e de um certo programa, nojento e revelador do pouco respeito que a si próprio o povo vem merecendo – a Casa dos Segredos - apresentado por uma graciosa e poética figura feminina que dá pelo nome de Teresa qualquer coisa mas que, segundo dizem por aí, é mesmo à conta dos papalvos que bons cobres vai metendo ao bolso...
Terceiro: - se bem que já conhecida como ex-libris do governo da velha senhora a política dos três Fs (o fado, o futebol e Fátima), custa-me a aceitar o tempo hoje ocupado pelas emissões televisivas pelo futebol comentado e em notório detrimento de todas as demais práticas desportivas.
Não que me surpreendam as transmissões dos jogos, que esses bem entendo que sirvam de lenitivo e entretenimento ao público ajudando-o a esquecer certas desventuras das suas próprias vidas, como a crescente carestia e o temível flagelo social que é o desemprego, ambos parecendo imparáveis, mas reavivando o natural e vivificante entusiasmo subjacente a todo o ser humano.
Porém já não entendo as infindáveis horas que as TVs passam a comentar resultados, tácticas de treinadores – a maior parte de bancada, como soi dizer-se – os erros dos árbitros e sobretudo as longas a catedráticas intervenções do Prof. Dr. Rui Santos que, além de escalpelizar ao milímetro cada chuto ou cabeçada, quer hoje levar mesmo à barra da ciência tecnológica do seu programa uma “verdade desportiva” dotada de poderosos meios técnicos que determinem se a bola ultrapassou ou não em mais de metade do seu diâmetro para que seja considerada fora (creio que é assim, não é?) das linhas que limitam o campo ou se passou ou não, na balisa, o plano vertical que parte da linha inter-postes para que seja golo!
Quarto: Não entendo igualmente como na frente de uma encaixilhada amálgama de cores dispostas a esmo e sem traços harmónicos que completem uma visão organizada do que quer que seja mas a que se chama “quadro” e que as possam justificar se amontoem pessoas e se discutam especulativamente os estados de alma que terão levado o “artista” a fazer o que fez sem nunca ter ouvido dizer que este talvez devesse estar no Júlio de Matos ou, se no Norte, no Conde Ferreira (hoje já desaparecido, ao que julgo saber).
Recordo, a propósito, o episódio da pequena multidão que se aglomerava junto de um quadro exposto numa galeria e comentava vivamente o que via e qual teria sido o estado de espírito do artista que o pensou e criou quando, inesperadamente, surgiu o próprio artista-autor acompanhado de um homem de bata banca contra o qual se insurgia por haver dependurado aquele seu” quadro “ precisamente – imaginem! - "ao contrário”, ou seja, de pernas para o ar!...
Por estas e muitas mais razões que me abstenho de aqui alongar me interrogo: . estarei eu a ser influenciado pelo velho a que Camões se referia ou será que, como o quadro, é o próprio mundo que vai ficando de pernas para o ar?
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