Domingo, 3 de Dezembro de 2006
Sempre pensei que este meu blog, se algum mérito revelasse, tivesse, pelo menos, o de não ser demasiado agarrado à quase sempre fácil crítica politizada dos nossos dias, espécie de treinador de bancada como vulgarmente se diz hoje, falando sobre o que verdadeiramente se desconhece.
Estas minhas palavras iniciais poderão levar-vos a pensar que escrevo coisas só para escrever e que disserto sobre tudo e sobre nada só porque sou velho, jarreta, ancilosado e descontente com o mundo. Nada disso, porém, é o que, na realidade, se passa comigo.
Por estranho, ou muito estranho que vos pareça, sou um dos raros mortais que, na minha idade, se pode dar ao luxo de estar apaixonado e de me sentir correspondido. A vida material, se bem que bastante depauperada hoje em relação ao que já foi e ao que o futuro, visto este à luz de velhos tempos, me faria então antever, não me faz mossa de maior porque não sou nem nunca fui exigente em coisas que não fossem simples e apegado a bens materiais os quais, bem pelo contrário, repudio hoje, como repudiei ontem e repudiarei amanhã.
Durante a vida já vivida, é certo que persegui alguns sonhos, coisas que desde criança preencheram o meu imaginário e se algumas delas consegui alcançar outras não, que sempre se me mantiveram longínquas e inatingíveis. Adorei o trabalho que desempenhei na minha vida profissional e a ele devo a sanidade que creio manter nesta minha cabeça pensante já que a vida privada, emocional e emotiva, essa foi um total e completo descalabro, apenas temperado por alguns momentos de suave devaneio em que me deixei levar na corrente dos acontecimentos muito embora sabendo bem os riscos que corria e aonde me levariam tais correntes.
Inesperadamente, porém, um nó que desde há muito se me atara na garganta e que, cada vez que era recordado, mais me feria e revoltava, esse nó desatou-se. Uma voz, que não pude de imediato reconhecer, mas que desde logo me tocou e cativou pela peculiar melodia do seu tom, pela suavidade dos conceitos e pelo cuidadoso critério, de um portugues hesitante, com que os próprios termos utilizados eram escolhidos, me falou de longe, de muito longe, acordando-me do torpor que, confesso, naquele Inverno de 2002 já começava a invadir-me, fazendo-me sentir como que se deslizasse no trenó da vida, inexoravelmente para o fundo, ao longo de uma suave vertente de encosta coberta de neve e mais ou menos limpa de obstáculos.
E essa voz foi para mim, - que ainda conservo bem vivo o velho espírito do soldado dos anos 60, o espírito da ordem, da disciplina e, sobretudo da justiça e da firme equidade que tão bem dintinguem o mandar do comandar, - essa voz foi para mim como que o toque do clarim que então soava na alvorada! E foi assim, com essa alvorada, que um novo dia surgiu, temperado e radioso, e uma chamazinha de esperança se reacendeu neste já gasto e já descrente coração. Comecei nesse dia este novo e desconhecido processo de rejuvenescimento e os dias que até aí me iam, pouco a pouco, retirando quer as forças quer a energia, mudaram e passaram a fazer precisamente o contrário: - a vontade regressou, a esperança ressurgiu, a certeza no amanhã voltou e deste feita mais forte do que nunca.
O ânimo combativo da antítese do yes-man que sempre fui e me caracterizava aos olhos dos verdadeiramente amigos e que me valeu na vida bastante mais vitórias que derrotas - devo confessá-lo, e aqui o digo sem falsa modéstia - regressou em força com essa mesma força que vos tenho tentado transmitir neste meu blog, de que, até então, desconhecia até a própria existência, e que gostaria fosse bem diferente se diferente fosse a sociedade em que vivemos e a verdadeira justiça reinasse nela fazendo de cada homem e de cada mulher, geradores únicos dos homens de amanhã, seres humanos dignos e verdadeiros onde a ostentação, a falsidade, a corrupção e o sujo jogo de interesses de bastidores não lhes moldasse o carácter e não fosse o único farol a iluminar o seu caminho!
Há excepções, claro que há excepções, conheço algumas. São mesmo elas que fazem a regra da podridão moral e intelectual em que o país vai chafurdando e que diariamente nos vão chegando através das mais diversificadas fontes como triste tema de notícia. E é ao lê-las, quando não ao senti-las mesmo na própria pele, que cometo talvez a imprudência e, talvez, a impertinência de escrever o que aqui venho escrevendo.
Bem-haja, pois, aos poucos que aqui me procuram e têm lido com a santa paciência de o fazer!