Em roupa interior, sem lençóis e apenas com duas bafientas mantas de camarata militar, numa cama de ferro, estreita e dura, submetido às tensões que logo se imaginarão, quase não dormi naquela minha primeira noite na cela 37 do Forte de Caxias. Vencido pelo cansaço e confortado, embora, pelas exíguas condições existentes, devo ter adormecido lá para as tantas pois me recordo de um amanhecer estranho em casa desconhecida!
Não era pesadelo. Estava mesmo ali, numa cela penitenciária relativamente pequena mas bem iluminada por um enorme vão para o exterior, duplamente gradeado, por dentro e por fora, onde se moviam duas grandes janelas basculantes, uma em baixo e outra em cima, abrindo cada uma cerca de 40 cm. em relação ao seu alinhamento vertical, espaço mais do que suficiente para garantir um bom arejamento.
À minha esquerda, separado por uma pequena mesa-de-cabeceira de tipo hospitalar, havia outro catre, também de ferro, este vazio, sem roupa e apenas com um colchão ás riscas. À minha frente, logo à direita da porta, num espaço saliente criado na própria parede, um roupeiro largo, de madeira lisa e portas de correr, era continuado, à direita e no sentido da janela, por uma banqueta em marmorite que serviria de mesa para escrever ou tomar as refeições e à qual se juntava uma cadeira de ferro com assento e costas em grossas tábuas lisas de madeira.
Completava a cela uma pequena divisão interior onde se situava uma casa de banho completa, isto é, dotada de lavatório, sanita e chuveiro, com rebordo para suster a água e sistema misturador, e onde havia, quer de dia, quer de noite, água quente e água fria.
O pavimento era esverdeado, cor de azeitona, de cimento e completamente liso e, por isso mesmo, escorregadio quando molhado e propenso a criar imenso cotão proveniente das mantas. A porta, aparentemente de madeira, era de ferro, apoiada em sólidos gonzos, provida de uma pequena janela de comunicação de uns 15 x 15 cm, com abertura só pelo exterior, e de uma sólida fechadura cuja lingueta dava várias voltas.
A visão da janela limitava-se a um estreito pátio com uns dois metros de largura no qual se erguia um muro alto, branco e certamente espesso já que, sobre ele, o meu ângulo de visão me permitia divisar as polainas dos soldados da GNR que aí se deslocavam na sua missão de sentinela.
Aquele - não o sabia ainda ao acordar - iria ser o meu mundo durante os 15 dias que se seguiram, isolado e sem qualquer contacto com o exterior, nem mesmo com a família que, com o telefonema que fizera na véspera, tinha conseguido avisar. Os únicos contactos com seres vivos que me eram permitidos eram com os guardas carcereiros e com um simpático cachorro arraçado de perdigueiro que, pontualmente, comparecia às cinco da tarde, do lado de fora da janela, colocando as suas patas dianteiras sobre o parapeito, à espera das sobras, sempre existente, de uma comida de péssima qualidade.
Era o dia 24 de Abril de 1975. A prisão dera-se na véspera, a 23.
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