Quarta-feira, 19 de Abril de 2006
Do Portugal Diário da www.iol.pt:
25 de Abril sempre
2006/04/14 | 17:57 || Judite França
«Aqui posto de comando...» Emitimos um especial sobre a Revolução. Há prémios, testes sobre o 25 de Abril, imagens históricas, filmes e música. É um regresso ao passado, com cravos para todos os gostos
Passam 32 anos desde o dia em que, aos microfones do Rádio Clube Português, Joaquim Furtado leu o primeiro comunicado do MFA. «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas (...)».
O meu 25 de Abril
Três horas da manhã. Tudo em sossego em casa, em Oeiras. Toca o telefone
Pareceu-me que tocava mas cedo parou. Foi o ruído persistente de uma nova chamada que me acordou de vez. Informavam-me, da Companhia de Seguros Império, onde fazíamos vigilância, de que havia soldados armados a pretender entrar nas instalações
- São soldados mesmo? - indaguei surpreso. - Sim
estão armados e vem um oficial com eles. Dizem que querem tomar posição nas janelas que dão para o Largo do Carmo
Deixo-os entrar? - Oh! Homem de Deus! Se são soldados e estão armados como me diz, que quer fazer? Fazer-lhes frente? Claro que os deixa entrar
Tem mais notícias de outros lados? Informe a Central e diga-lhes que sigo já para a Companhia. Eles que contactem o pessoal da TAP que me liguem pelo rádio para o carro pois saio dentro de 5 minutos
Passei por Paço de Arcos onde fui buscar um meu colaborador a casa. Ficou tão estupefacto quanto eu. Seguimos ambos e, durante o percurso pela marginal, Alto da Boa Viagem, Dafundo, Algés, Belém e Avenida Infante Santo, onde eram os escritórios, tudo calmo, ninguém na rua! Entretanto tinha já recebido a informação de que havia militares no aeroporto e nas instalações da RTP, EN e RCP, isto é, os pontos-chave tinham sido ocupados. Pela rádio do carro ia ouvindo os constantes comunicados do Movimento das Forças Armadas. Não havia dúvidas de que havia uma revolução em marcha
Já na empresa, mandei telefonar a todo o pessoal de escritório para os informar de que deveriam permanecer em casa e de que ninguém deveria comparecer ao serviço. Ao pessoal vigilante que, no momento, se encontrava de serviço foram dadas instruções precisas de que em caso algum deveriam constituir obstáculo a qualquer acção militar armada mas que deveriam permanecer nos seus postos mesmo depois de rendidos pois seria de prever-se um generalizado estado de confusão nas ruas que bem poderia ser aproveitado para assaltos de ocasião. O mesmo foi mandado transmitir à Delegação do Porto.
No meu gabinete, onde se tinham concentrado alguns inspectores e graduados que, entretanto, foram chegando, pudemos acompanhar pela rádio, em FM, todos os movimentos de tropas que se desenrolavam algures no centro da cidade. Assim, pudemos ouvir distintamente, o Brigadeiro Reis, que comandava no terreno os militares pró-governo, sugerir a utilização de meios aéreos
Teria sido uma carnificina!
Foi só já no fim da tarde de 26 que regressei a casa e pude descansar um bocado. A revolução triunfara e o Marechal Spínola presidia à Junta de Salvação Nacional juntamente com outros velhos militares, Generais Costa Gomes e Silvério Marques do Exército, Galvão de Melo da Força Aérea e o Almirante Pinheiro de Azevedo, chamados à pressa pelos capitães que se viram subitamente com um país nos braços! O regime estava podre. Todos o sabiam. Por isso caiu sem tiros, tendo bastado apenas um abanão mais forte para que tudo se desmoronasse. A hora era de euforia generalizada.
Lembro-me de, na manhã de 27, quando, conduzindo pela marginal. a caminho de Lisboa, e olhando o Bugio, ter tido a mesma sensação que tinha quando viajava para o estrangeiro! Senti-me como que fora do meu país!... Seria um pressentimento? Talvez
E digo talvez porque toda a esperança daqueles dias cedo se desvaneceu. A descolonização feita em África e em todo o ultramar foi uma vergonha, um crime de lesa-pátria, uma ignomínia e uma traição a quantos desde há séculos foram caindo por amor a Portugal! Ah! Se o Mouzinho ainda vivesse! Novos Gungunhanas, desta vez brancos, se ajoelhariam por certo a pedir o seu perdão!...
Assim, tomado que foi o poder por uma nova casta de políticos que, salvo raríssimas e honrosíssimas excepções, apenas se distinguem dos de antanho por serem mais descarados, mais ignorantes, mais palavrosos e em muito maior número, assistimos hoje à ruína do país e ao seu progressivo caminhar para o ponto em que se encontra: - à beira do abismo!
Ah! Já me esquecia de dizer que, entretanto, de 23 de Abril de 1975 a 23 de Dezembro do mesmo ano, por 8 meses (254 dias) fiz, no Forte de Caxias e na Penitenciária de Lisboa, um curso intensivo de vivência democrática com isso restabelecendo o que se poderá considerar uma tradição familiar já que ambos os meus avós, tanto o paterno, como o materno, ambos foram igualmente presos nos conturbados primórdios da República.