Creio em Deus e não só porque esse foi o ensinamento que meus Pais me deram mas porque acredito ter razões muito pessoais, diria mesmo que íntimas para isso e que hoje irei aqui publicitar por sentir que terei esse dever de o fazer, revelando, neste espaço, público por definição, aquilo que só poucos, os que me são mais íntimos, conhecerão.
Teria eu 4 ou 5 anos de idade mas esses factos estão tão claramente presentes na minha memória como se os tivesse vivido ontem. Foi em Vidago, onde vivíamos e onde meu pai era médico. Não obstante as mais cuidadosas medidas preventivas da época – 1940 ou 41 – e muito provavelmente por meu pai ter o seu consultório em nossa casa, talvez por contágio, eu apanhei a escarlatina, grave doença à época e com a qual estive muito doente, não exagerando se disser que mesmo às portas da morte. Poder-se-á imaginar o estado de espírito de meus pais, tanto mais que conservariam ainda bem presentes a memória de dois irmãozinhos que nunca conheci, o primeiro porque nasceu morto e o segundo porque faleceu com pouco tempo de vida. Paz às suas almas! Eu fui o terceiro e, como facilmente se compreenderá causa de enorme preocupações para meus saudosos pais uma das quais, entre muitas, a causada por aquela terrível doença, â época praticamente mortal e que só mais tarde a penicilina veio combater com eficácia.
Meu pai, homem de grande rectidão e carácter, era muito querido na localidade onde, conhecidos os antecedentes que perseguiam a nossa pequena família, era bastante generalizada a consternação causada pela grave enfermidade que atingia o “filho do senhor doutor!...”. E tão generalizada e sincera era essa consternação que, sem que nada nos tivesse sido comunicado – como mais tarde vim a saber – o pároco, juntamente com a população devota, decidiu alterar para mais cerca de dois ou três quilómetros o percurso da tradicional procissão das velas de 18 de Outubro para que esta passasse à porta de nossa casa só então tendo os meus Pais sido prevenidos do que o Povo havia decidido fazer.
Era noite e eu ardia em febre. Recordo-me de minha mãe me ter levantado, muito agasalhado, da pequena cama onde me encontrava e, juntamente com meu pai, me ter levado até à janela onde, afastados os cortinados e através dos pequenos quadradinhos de vidro, que houve que desembaciar, eu pude então ver, entre o espantado e o maravilhado, uma quantidade de luzinhas que, lentamente, vinham subindo a avenida ao mesmo tempo que o som de cânticos chegava até mim vindo da enorme multidão que transportava tais luzinhas… Pouco depois a procissão, como soube depois que “aquilo”, aquele mar de gente, se chamava, parava e vi que um andor, muito branco, todo florido e todo iluminado, transportando uma imagem, que depois vim a saber tratar-se de Nossa Senhora de Fátima, se voltava lentamente para a nossa casa e janela, assim se conservando por largos minutos, tendo eu podido ver uma imagem linda de uma Santa que ficou gravada na minha memória para sempre e que muito fez chorar a minha mãe, que me tinha ao colo, e, na face crispada de meu pai, que a luz, que da rua vinha, me permitia divisar, correrem também algumas lágrimas! Foram, para mim, breves os momentos em que aquela imagem linda esteve ali, parada, como que olhando para nós… Depois, tudo voltou a movimentar-se, e, para meu desgosto, as luzinhas foram-se distanciando e minha mãe voltou a deitar-me na minha cama sem me dar qualquer explicação para o que, de tão extraordinário, se passara…
Muito mais tarde, já homem e pai de três filhos, convalescendo de uma pequena intervenção cirúrgica no Centro Clínico da GNR, tive oportunidade de seguir pela televisão a vinda a Portugal e à Cova da Iria do primeiro Papa que me recordo de nos ter visitado: Paulo VI. Era a primeira vez que via um Papa e o seu ar austero e quase severo, ao que me pareceu pouco comunicativo e muito convencional, fez com que o sentisse como um ser superior, distante e, muito provavelmente, o Papa… dos outros que não o meu!
João Paulo I, o Papa que se lhe seguiu, faleceu em circunstâncias ainda hoje verdadeiramente ignoradas e antes de ter tido tempo de se dar a conhecer ao mundo, sendo o seu pontificado o mais curto da história da Igreja, somente de 30 dias. Eu, que recordava bem o Papa Paulo VI, e a sua figura, para mim demasiado pretensiosa, permanecia agnóstico e quase indiferente em tais domínios.
Eleito João Paulo II, porém, este Papa começou desde logo a impressionar-me pelas novas ideias que trazia, pelas circunstâncias muito especiais em que decorreu a sua vida, desde os seus tempos de estudante clandestino de poesia e de arte dramática, durante a ocupação nazi, de operário fabril e até de jogador de futebol, até ser bispo e cardeal de Cracóvia de onde partiu um dia para Roma e aonde só bastante mais tarde regressou mas já como Papa.
Era um ser humano extremamente simples, jovial e cativante este Papa, que muitos consideravam - e bem – como dotado de um espírito eminentemente conservador em relação a determinados princípios de que nunca abdicou, mas que comunicava espontaneamente com as gentes com quem contactava e eram atitudes especiais assim como especiais palavras aquelas que cativavam quem o via de perto ou de longe, como infelizmente, sempre foi o meu caso. João Paulo II foi e sempre será o “meu Papa”, o que comecei a sentir no momento em que, em Coimbra e dirigindo-se aos estudantes, exclamou: -“ Olá malta!”, ou quando afirmou, ele que era um esquiador exímio, que na sua Polónia 50% dos cardeais praticavam esqui. Surpreendido com tal afirmação, o jornalista que o questionava ter-lhe-á perguntado então quantos cardeais havia na Polónia, ao que ele, de imediato, respondeu: -dois. Era, pois, este o Papa que eu considerava “meu” e que, perante o rápido agravamento da sua doença, prevendo-se já eminente o desenlace, cheguei a pedir a Deus que não o deixasse falecer, como já acontecera com meu avô paterno, no dia do meu aniversário o que, afinal, veio a acontecer pouco passava das vinte horas…
Senti a sua morte como já suspeitava que iria senti-la e, talvez como consequência disso, foi sem emoção alguma que tomei conhecimento de que um novo Papa havia sido eleito: - o Papa Bento XVI. A sua figura, em tudo diferente da de João Paulo II, esguia, concentrada e rígida e que me sugeria mesmo alguma altivez, nunca me fez esquecer o “meu Papa” e muito menos o substituiu.
Bento XVI nada me dizia e nada me disse até ontem.
Precisamente até ontem, dia 11 de Maio, até ao momento em que, sucessivamente, o fui vendo pela TV mas onde me pareceu tão humano, tão frágil, tão simples, tão sábio e tão estranhamente eloquente, parecendo que dele dimanava algo de verdadeiramente inenarrável, de incompreensível e muito menos de explicável, fez com que novamente algo tocasse o meu, de há muito, dir-se-ia que empedernido e angustiado coração.
O meu sentimento em relação a este papa mudou. Mudou radicalmente. E o curioso é que, segundo os diversos locutores das TVs, o que aconteceu comigo, aconteceu com a esmagadora maioria dos portugueses que, num instante, se viram cativados por este novo Papa que tão simples se mostrou para com eles e que tão bem e tão completamente se irmanou com esta simples e generosa alma lusitana.
Creio em Deus e tenho pena, sincera pena de quem não é crente ou de quem não seja capaz de sentir nesta cândida simplicidade que irradia deste Papa o apelo de Deus à sua Verdade Eterna e que tantas vezes é por linhas bem tortas que Ele a escreve.
Deus proteja Bento XVI.
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