Acho que dizê-lo em português não chega! Torna-se banal!... É mesmo necessário que o diga na língua de Shakespeare para que soe ainda mais inacreditável … more and more unbelievable!
Estava a ouvir e, incrédulo, perguntava a mim mesmo se era realmente aquilo que ali mesmo, no televisor, à minha frente, se estaria a passar!
Dois governantes, um deles Ministro das Obras Públicas e o outro, Secretário de Estado da mesma pasta… Ambos do púlpito, ambos solenes, enfaticamente, embevecidos e voltados para uma costumeira assembleia de algumas dezenas de basbaques políticos – porque há, infelizmente, muitos mais basbaques do que esses que ali se viam! - debitavam, palavra por palavra, um e outro dando tudo de si mesmos, a mesma dircursata política em dó muito maior do que normalmente tem acontecido!
Sem valor algum, porque se mérito havia no texto que ambos liam, esse pertenceria por inteiro a outrem, ao "assessor de prosa" que o escrevinhara realmente, mas que não teria estatura profissional para o ler em público!... Tudo palavras, só palavras… como se alguém tivesse abanado um dicionário sobre algumas folhas de papel branco e aí se tivessem acumulado as palavras, as lindíssimas palavras, que dele iam caindo, entornadas, porque se soltavam das folhas abanadas…
Mas ler melhor do que aqueles senhores fizeram, dizer melhor, isso nem o grande João Villaret o faria! Foram grandes, foram brilhantes, não tonitruantes que a discursata não se prestava a isso, mas disseram claramente, compassadamente, a metrónomo e com o gesto mais apropriado a acompanhar-lhes a palavra! E que palavra! Que brilho, que elegância, que convicção!... Isto sim, meus amigos, isto sim!… Isto é ser-se político e ser-se político português! A mais completa e total vacuidade sonoro-política.
E já agora aqui vos digo, e em primeira mão, um pequeno segredo recém-chegado dos bastidores: - estão já ambos contratados para a próxima época do Dona Maria onde será finalmente representada a tragicomédia “Socrates e o Nosso Destino” já de há muito anunciada mas que só agora irá ser levada à cena.
Porque sei que irá ser um êxito, nem quero pensar em poder não arranjar bilhete! Nem quero pensar nisso! Irei…Vou… Terei de ir, nem que seja para o galinheiro, o que até me dava jeito pois talvez aí soubesse onde eles tinham posto os ovos…
O elefante acorrentado
Quando eu era pequeno, adorava o circo e aquilo de que mais gostava eram os animais. Cativava-me especialmente o elefante que, como vim a saber mais tarde, era também o animal preferido dos outros miúdos. Mas, depois da sua actuação e pouco antes de voltar para os bastidores, o elefante ficava sempre atado a uma pequena estaca cravada no solo, com uma corrente a agrilhoar-lhe uma das suas patas.
No entanto, a estaca não passava de um minúsculo pedaço de madeira enterrado uns centímetros no solo. E, embora a corrente fosse grossa e pesada, parecia-me óbvio que um animal capaz de arrancar uma árvore pela raiz, com toda a sua força, facilmente se conseguiria libertar da estaca e fugir.
O mistério continua a parecer-me evidente.
O que é que o prende, então?
Porque é que não foge?
Quando eu tinha cinco ou seis anos, ainda acreditava na sabedoria dos mais velhos. Um dia, decidi questionar um professor, um padre e um tio sobre o mistério do elefante. Um deles explicou-me que o elefante não fugia porque era amestrado.
Fiz, então, a pergunta óbvia:
— Se é amestrado, porque é que o acorrentam?
Não me lembro de ter recebido uma resposta coerente. Com o passar do tempo, esqueci o mistério do elefante e da estaca e só o recordava quando me cruzava com outras pessoas que também já tinham feito essa pergunta.
Há uns anos, descobri que, felizmente para mim, alguém fora tão inteligente e sábio que encontrara a resposta:
O elefante do circo não foge porque esteve atado a uma estaca desde que era muito, muito pequeno.
Fechei os olhos e imaginei o indefeso elefante recém-nascido preso à estaca. Tenho a certeza de que naquela altura o elefantezinho puxou, esperneou e suou para se tentar libertar. E, apesar dos seus esforços, não conseguiu, porque aquela estaca era demasiado forte para ele.
Imaginei-o a adormecer, cansado, e a tentar novamente no dia seguinte, e no outro, e no outro… Até que, um dia, um dia terrível para a sua história, o animal aceitou a sua impotência e resignou-se com o seu destino.
Esse elefante enorme e poderoso, que vemos no circo, não foge porque, coitado, pensa que não é capaz de o fazer.
Tem gravada na memória a impotência que sentiu pouco depois de nascer.
E o pior é que nunca mais tornou a questionar seriamente essa recordação.
Jamais, jamais tentou pôr novamente à prova a sua força…
Jorge Bucay
Deixa-me que te conte. Os contos que me ensinaram a viver
Lisboa, Pergaminho, 2004
Um Feliz Natal e Um próspero Ano Novo.
Agradeço-lhe a sua lembrança e o magnífico texto que não conhecia. E já agora, sem adulação, que nunca tive feitio para isso, lhe digo que, a despeito da diferença de idades entre nós, que presumo elevadíssima, tenho encontrado muitas vezes repouso e conforto na consulta do seu blog. Bem haja por isso! Bom Natal e Bom Ano, palavras quase banais para quem as diga sem intenção e convicção, o que não é o meu caso. Felicidades e uma vez mais obrigado.
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