Tendo conhecido pessoalmente o segundo – o que talvez não aconteça com quem me estiver lendo de tão afortunadamente modesta que terá sido a sua vida, como eu, que o não vejo há anos, suponho que tenha sido – só conheço o primeiro através da sua obra invejável, da profundidade do seu pensamento e da história notável da sua vida e que as enciclopédias hoje desnudam.
Trago hoje ambos a este lugar das minhas memórias - e, também de algumas arreigadas e teimosas convicções pessoais, reconheço-o - apenas para discorrer um pouco do que terá sido a vida do Amadeu, personalidade que talvez o País ignore mas que, creio que com inteira justiça, deveria ser dada a conhecer ás crianças desde os bancos da instrução primária e a quem queria, deste único jeito que hoje tenho, prestar a minha sincera e saudosa homenagem.
Encontrei-o no colégio Brotero para onde eu fora, fugido ao liceu que ameaçava classificar devidamente a minha preguiça. Nas aulas de latim era sempre ele quem fazia, e nos ensinava depois, a tradução dos complicados textos que nos mandavam fazer em casa.
Se bem me recordo o Amadeu era o mais novo de nove irmãos que, juntamente com seu pai, pequeno arrendatário de umas terras para os lados de Amarante, estaria condenado a ser mais um lavrador de entre Douro e Minho – não confundir com o lavrador do sul que este sim, é o proprietário das terras que administra, enquanto que o do norte é apenas aquele que, por conta de outrem, e de sol a sol, constantemente as trabalha – se não lhe tivessem sido unanimemente reconhecias pela família as suas especiais faculdades intelectuais pelo que foi decidido que, dentre todos, seria ele o único que iria estudar e não trabalhar a terra como os demais.
Amadeu queria ser Juiz. Por alguma razão que nem ele soube nunca explicar, a Magistratura judicial chamava-o e era essa a profissão que desejava abraçar um dia. Seu pai, porém, revelava-se como o seu maior obstáculo porque, para si só uma de duas actividades profissionais requerendo estudos lhe consentiria: - a de padre, cuidando da alma e do espírito, ou a de médico, cuidando do corpo. Mas a de Juiz, nunca!...
Ele, porém, embora criança ainda não desistia, persistindo na sua intenção de ser formar em direito, em Coimbra, e de poder vir a ser Juiz. Porém, como o pai não o consentia e, como nem um nem outro demonstrasse qualquer cedência nas respectivas intenções, foi-lhe cortada a mesada e a enxada passou a ser o seu instrumento de trabalho em vez do lápis, do papel e dos livros. Clandestinamente, porém, o padre da aldeia, sabedor da história, decidiu continuar a dar-lhe aulas e a prepará-lo, dentro dos limites do seu próprio conhecimento, para o futuro que ele pretendia. Daí os seus profundos e adiantados conhecimentos do latim…
Passados aqueles duros anos da sua juventude e adolescência sem perder nunca de vista o seu propósito de vir a ser Juiz, foi aos 21 anos que, atingida a maior idade, Amadeu comunicou a seu pai que, dali por diante prescindiria do seu auxílio e iria para o Porto, para casa de um conterrâneo, condutor dos eléctricos dos STCP, que lhe oferecera casa e mesa enquanto estudasse.
A sua sala de estudo, onde tinha os seus livros e conseguia o seu isolamento, era um galinheiro, vazio de galinhas mas cheio de livros e cadernos e onde fora autorizado a fazer o seu “escritório”, trabalhando à luz de um candeeiro a petróleo já que, como era normal num galinheiro, ele não tinha luz eléctrica.
Assim, o Amadeu fez num só ano os terceiro, quarto e quinto anos do liceu, e no outro – quando o conheci - o sexto e sétimo – decimo e décimo primeiro actuais.
Feitos os exames de aptidão à faculdade de direito, eu com dezasseis anos e ele com vinte e três, ambos nos matriculámos em Coimbra, onde eu não terminei o curso e ele se licenciou com 28 anos, prosseguindo, como tanto queria, na Magistratura.
Por encontrar um grande paralelismo entre ambos, pelo menos no que de duro tem o lado material da vida, que, para ser vencido, tanta tenacidade e força de vontade necessita, aqui trouxe hoje o Amadeu e o Miguel Torga já que, quer de um quer do outro, por bem diferenciadas razões, sou e continuarei sendo um indefectível adepto.
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